Henrique Ferreira
Entre o afecto e a razão, Marcelo perdeu a noção
Marcelo Rebelo de Sousa falou ontem, 17 de Outubro de 2017, 20h36, ao país, na sua qualidade de Presidente da República, após os grandes incêndios na Região Centro, e ainda marcado pelo também grande incêndio de Pedrógão Grande no passado mês de Junho.
Marcelo fez bem o que o Governo tinha feito mal: o pedido de desculpas, o estar próximo das pessoas e o exigir de responsabilidades, políticas, administrativas, organizacionais e civis. Até aqui, tudo bem.
Mas Marcelo exorbitou depois os seus poderes ao exigir uma conduta específica à AR - ratificar ou fazer cair o Governo e comprometer-se num programa de reorganização da floresta e do território. Com isto, Marcelo foi para lá dos seus poderes e iniscuiu-se nas competências dos dois órgãos de soberania.
Provavelmente, o país gostou deste arrufo de Marcelo. Eu também gostei. Mas, caído em mim, concluí que não poderia ser aquele nem o tom nem o teor da mensagem aos dois órgãos.
Será que Marcelo quis criar um novo ciclo político para si próprio? É bem provável que sim, que tenha constatado que o Presidente doce tem de ser substituído por um Presidente severo. Aplaudo-o se é esse o caso. Não concordo com ele no modo e nos termos usados. Poderia dizer o mesmo em palavras e modos mais formais e mais diplomáticos. A menos que tenha constatado que o Governo é constituído por maus entendedores, situação em que julgou dever ir directo ao assunto.
Uma coisa é certa: com isto, Marcelo esvaziou a reunião do Conselho de Ministros do próximo dia 22 e fez transitar o assunto do plano organizacional governativo para o plano político. Quis também dizer à «geringonça» que o país não são só boas notícias e festa e que é preciso tratar dos problemas reais. Quis chamar a atenção para o excesso de despesa pública do próximo Orçamento, no qual a reorganização da floresta é secundarizada.
Marcelo exagerou certamente nas palavras. Porém, o Governo precisava de ser chamado à razão e pode reverter o problema a seu favor. Veremos se a capoacidade de Costa para resolver os problemas reais do país é a mesma que para «tanguear» os parceiros.
Mas as palavras de Marcelo são injustas para os operacionais dos fogos (bombeiros, exército e GNR. Não fizeram mais porque as condições de vento e logísticas não permitiram. Por que é que não há um sistema de comunicações-rádio para ajudar os bombeiros, a GNR e as populações? Há certamente muitas coisas a reorganizar mas confiar o assunto à AR e aos cientistas sem ouvir os operacionais do terreno e sem obrigar à limpeza das matas e campos é certamente música celestial para os nossos ouvidos.