Manuel Igreja

Manuel Igreja

Envelhecer

Não se iluda, caro leitor, não vamos para novos. Qualquer um de nós. Aliás, disse alguém, que se lembrava de dizer certas coisas daquelas que não lembram nem ao diabo, mas que são certas, que começamos a morrer assim que acabadinhos de nascer.

Bem sei que vivermos num tempo em que parece que envelhecer se afigura mal, mas isso é sem razão. Coisas de uma sociedade que se tem como evoluída, mas que pouco mais está para além do ponto em que descemos das árvores para irmos con-quistar o horizonte em mil andanças.

Foi muito lá longe nos séculos, mas em termos de medição dos dias a passar no contexto do universo, é a modos de dizer um virar de folha. Fomos inventando e aproveitando algumas coisas, umas mais simples, outras mais complexas, sem nos esquecermos de estragar e de desaproveitar algumas. Mas é mesmo assim, digo eu que já por cá ando há uma mão cheia de décadas e mais a metade de um dedo mindinho de mais outra.

Não me importo nada quanto ao tempo que vivi. Agora, quanto aos dias que ainda me irão nascer, só desejo que ambos contemos muitos, cientes de que isto de se estar vivo ainda um dia acaba mal, como disse um outro dos tais que mencionei umas linhas antes.

Envelhecer é inevitável e aconselhável. Saber envelhecer é-o de igual forma ou mesmo mais importante. Penso, pois, que isso é prova de que ainda não acordamos mortos, como diziam os antigos, e que no decorrer dos planos, que a vida teve para nós, soubemos ir sendo o resultado daquilo que fomos sendo.

Viver, obviamente, é um desafio feito por etapas. Na inicial, encantamos e depen-demos, na segunda, umas vezes encantamos e noutras desencantamos, construímos e desconstruímos e, na terceira e última, tornamos a encantar com o risco dos mo-mentos de desencantar serem mais efetivos e mais prolongados.

Infelizmente, e remexendo-me um pouco neste último estado das coisas, porque se me revoltam os interiores face ao que podemos ver em nosso redor, o egoísmo e a falta de sensibilidade, essenciais em qualquer civilização, andam escassos e arredios nesta nossa modernidade. No insondável campo, que é a alma de cada qual, me-dram as ervas daninhas que turvam o olhar e o sentir, ao ponto de o belo se tornar feio.

Não vemos, não ouvimos e não lemos, por isso esquecemo-nos de que um velho é uma biblioteca, é uma pessoa que já deu vida a algo ou a alguém, uma pessoa que contribuiu e que merece ter a torna com dignidade que não tem medidas, porque é um direito de todos. Tendemos a esquecer que somos e estamos, porque um mais novo de outrora nos deu a permissão para viver e nunca para matar ou maltratar.

Nestes dias sem tempo para nada, desbaratado emocionalmente em corridas por um prato de lentilhas, com frequência, o que deveria ser um sublime cargo, assu-me-se como um inoportuno e inconveniente encargo a negar e a não assumir, ou então numa pedra no sapato que desassossega a alma que espreita pelos rebordos da consciência.

Urge que se identifique o desmando e que se valorize o que somos e que o temos, individual e coletivamente. Convém, inquestionavelmente, que se saiba ler a bússo-la que indica o Norte, por entre o nevoeiro que esconde o verdadeiro sol do nosso universo, no caminhar, onde mais importa a jornada que o porto de destino que, desafiadora e ilusoriamente, se movimenta para fora do alcance da mão.

Envelhecer é uma condição do viver. É um ter-se sido jovem ciente de que, enquan-to tal, jamais se pode esquecer de que, quando se entra pelo futuro adentro e dele se toma conta, existem sempre instantes em que sentimos e sabemos o que já nos aconteceu e o que já fizemos.

Resta-nos, a cada passo, saber o que faremos e o que seremos. Com um pouco de sorte, merecendo o nosso passado, iremos ser mera fotografia na estande de al-guém como evidência, como prova de facto de que estivemos por cá por entre cho-ros e sorrisos, na medida em que fomos vivendo e envelhecendo.

Uns mais, outros menos. Mas todos.



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