Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Esopo e as pulgas

Falando de fábulas. Têm sempre um propósito moralista, mas, por vezes, pouco ou nada recomendável. E pior ainda, quando o seu epílogo de teor moral procura enfatizar aquilo que uma boa alegoria deveria dispensar, já que o esforço de explicar o óbvio é, em si mesmo, uma categorização imbecilizadora de quem lê ou ouve. Daí que quase pouco as recomende, especialmente quando desanexadas de um sentido crítico da duvidosa moral que veiculam.

É o caso de uma conhecida fábula de Esopo, que, querendo defender a recondução no cargo de um determinado líder político, vem narrar a alegoria da raposa e do ouriço. Conta que, estando uma velha raposa atormentada pelas pulgas que se lhe entranhavam no couro, prontificou-se o ouriço a ir catá-las. Ao que a raposa respondeu que não. Que as deixasse estar. «Estas estão cheias e já pouco mais poderão sugar – justificou. – Se as vieres catar, outras virão, famintas, ocupar o seu lugar.».

Mesmo não me sendo simpáticas as fábulas moralistas, e muito menos quando procuram sustentar moralidades perversas, não me inibo de invocá-las, enquanto metáforas de realidades morrinhentas, como é o caso de regimes políticos que procuram perpetuar-se, com as mesmas cadeiras, os mesmos rostos, o mesmo discurso.

Na webesfera tropeça-se com frequência numa outra metáfora, atribuída a Eça de Queirós (erradamente, julgo), que compara os políticos às fraldas nos bebés, havendo que mudá-las amiúde para evitar que empestem. Um sentido próximo do provérbio transmontano: “Criados e bois… um ano ou dois”.

Ocorrem-me estas achegas quando reparo nas listas anunciadas para as próximas eleições e continuo a ver os rostos que já via há 20 e 30 anos…

in JN, 13-8-2019

 


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