Luis Guerra
Espaços de inspiração
A notícia chegou a meio do verão deste ano, abrindo a curiosidade de todos aqueles que gostam e entendem a importância do estudo da História humana, em geral, e da sua arte, em particular: em Mirandela, vai ser possível visitar a maior concentração portuguesa de pintura rupestre.
Estas pinturas rupestres situam-se na Serra de Santa Comba, também conhecida como Serra de Passos, e remontam ao período do Neolítico antigo, entre 5.500 e 3.500 anos antes da nossa era (ANE).
Os especialistas divergem sobre o significado destas pinturas, bem como sobre a motivação dos seus executantes.
Contudo, alguns estudiosos identificam no processo de elaboração das mesmas uma forma de exploração dos limites do espaço de representação mental, a manifestação de um afã transcendente e a tradução de significados profundos.
Nesse sentido, Ariane Weinberger, embora debruçando-se sobre pinturas mais antigas, realizadas em grutas, escreve que “a maior parte dos investigadores chama a estas cavernas “santuários”, certamente para dar conta do carácter sagrado que emerge desses lugares (...). E estas observações levam-nos à conclusão de que o Homem paleolítico pôde transcender os limites do seu espaço-tempo habitual, que as cavernas, pela sua morfologia, eram espaços propícios para as experiências de tipo transcendental e, finalmente, que foram precisamente essas experiências internas que se gravaram nas paredes para a posteridade”.[1]
Com estas pistas, é possível revalorizar as pinturas rupestres e ver nelas, não tanto uma tentativa de reprodução da realidade circundante, mas sim uma manifestação de um propósito evolutivo e transcendente que acompanha a humanidade desde sempre e que se prende com a superação da sensação de finitude e do sofrimento que lhe está associado.
Nessa medida, os “santuários” das pinturas rupestres estão, de alguma forma, ligados aos diversos templos que o ser humano foi erigindo ao longo da História, segundo a religiosidade de cada época, pela função que têm assumido para o mesmo ou, dito de outra forma, pelo objetivo que moveu a sua construção e pelo efeito propiciado por aqueles.
Com efeito, com os templos, os indivíduos e os povos procuraram sempre criar um espaço sagrado propiciador de experiências internas significativas e, em suma, de os projetar para a transcendência.
Por sua vez, a qualidade das experiências vivenciadas teve o efeito não só de carregar significativamente o espaço do templo como também de influenciar a conduta quotidiana e, por tabela, o estilo de vida e a própria cultura coletiva.
Se, pelo decurso do tempo ou pela interferência de outros fatores, ocorre uma desconexão entre a experiência interna e o espaço externo, os templos deixam de cumprir a sua função, esvaziando-se progressivamente até ao seu abandono, como já aconteceu noutras épocas.
Assim, numa época dessacralizada como a nossa, em que espaços é possível resgatar a experiência interna significativa e o afã transcendente, capazes de modelar uma cultura não-violenta e relançar o projeto humano?
Desde logo, sem pretensão exaustiva, não se pode deixar de mencionar os Parques de Estudo e Reflexão que, um pouco por todo o mundo, têm vindo a surgir nos últimos 15 anos, inspirados no Humanismo Universalista.
Os Parques de Estudo e Reflexão são lugares de encontro, partilha, meditação e procura interior. Contêm elementos arquitetónicos que facilitam a experiência interna, a meditação e o contacto profundo consigo mesmo e com os outros. E são o ponto de encontro de pessoas que pretendem levar uma ação humanizadora aos seus âmbitos quotidianos, desenvolvendo uma cultura universal da não-violência.
Na Região Norte de Portugal, concretamente no concelho da Póvoa de Lanhoso, está a nascer um destes parques: o Parque de Estudo e Reflexão Minho. Aí têm-se vindo a desenvolver seminários, oficinas, encontros sociais e celebrações desde há alguns anos, com a participação de pessoas de diferentes origens, nacionalidades, credos, géneros e condição social.
Os seus promotores, entre os quais me incluo, tencionam concluir a sua construção, com a implantação dos elementos arquitetónicos em falta, até ao ano de 2025, carecendo, porém, de apoios para o efeito, como se dá conta no respetivo site: www.parqueminho.org.
Considerando a sua localização e as acessibilidades atuais, a população transmontana poderá ser também uma das beneficiárias deste equipamento social, não apenas como sua utilizadora, mas também como reflexo do seu efeito irradiante.
Assim, oxalá que este intento humanizador possa consolidar-se no noroeste peninsular para projetar para o futuro as melhores aspirações dos povos desta região.
Luís Filipe Guerra, juiz e membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas
[1] Cfr. WEINBERGER, Ariane. Investigación sobre el Propósito del Homo sapiens en el Paleolítico superior: del afán por sobrevivir al afán por trascender. Disponível em www.parclabelleidee.fr