Marta Liliana
Esperas e esperanças
Sento-me em frente ao computador a pensar nos últimos dias, sendo que nos últimos dias não consegui pensar senão nos dias que se seguem.
Na contagem, não sinto alívio pelos números mais amenos do meu país, mas uma terrível angústia pelo crescimento geral dos dados. Ponho-me a conjeturar cenários em vários países, penso que alguns nem saberão bem o que é uma unidade de cuidados intensivos e, outros que as tenham, servirão para as classes mais endinheiradas.
Sobrecarregada pelas notícias e análises, quis compreender a disrupção ao quotidiano que esta situação implica, as suas consequências definitivas e a duração das temporárias. Fiz o caminho que muitos fizeram até chegar à conclusão de que qualquer solução é limitada e todas têm inconvenientes. Eis as principais hipóteses:
- Não fazer nada. Tal implica um colapso do sistema de saúde e um aumento acentuado da mortalidade e morbilidade por COVID e outras doenças. Ao contrário do que a intuição possa dizer, a economia sofreria um abalo considerável, embora provavelmente em menor escala do que advém do impedimento da mobilidade dos cidadãos e do encerrar de várias empresas. Para além da importante perspetiva humanitária, também na economia as pessoas são valiosas, constituem um dos maiores ativos dos países, produzindo e consumindo. Pelo meio disto, todas as baixas por doença e morte de familiar e os gastos avultados com os serviços de saúde.
- Isolar o melhor possível as faixas etárias e os doentes crónicos mais suscetíveis de complicações e aguardar que o SARS-CoV 2 se dissemine pela restante população atingindo a imunidade de grupo. Seria a estratégia inicial de alguns países quando se supunha uma taxa de letalidade inferior. Acaba por ser uma variante da hipótese anterior, já que implica uma morbimortalidade também acentuada, levantando algumas questões quanto à sua execução prática. Como e onde se isolam as pessoas? Quem são os doentes mais suscetíveis? Não sabemos com clareza suficiente. De acrescentar que alguns defensores desta versão alegam que o vírus já estaria em circulação algum tempo antes de se começar a testar pelo que, deste modo, já haverá uma percentagem considerável de pessoas imunes que tiveram doença ligeira ou assintomática.
- A hipótese quase unânime por implicar menor morbimortalidade (pelo menos a curto prazo) consiste em conter o surto com medidas de distanciamento social fortes, aliadas à identificação rápida dos doentes e rastreamento dos contactos. No fundo comprar tempo (quanto tempo?), até que surja uma solução menos castradora. Estamos a trocar a qualidade das nossas vidas em favor da quantidade para parte da população. Prefiro esta opção, mas não considero a escolha tão óbvia ou fácil. Não consigo, por exemplo, censurar alguém, para quem já se prevê uma esperança de vida curtinha, por querer aproveitar da melhor maneira o pouco tempo que lhe resta sem estar fechado em casa ou privado dos seus entes queridos. E este grupo abarca muitos dos velhinhos que queremos proteger. O impacto na economia de muitos meses de medidas restritivas não trará maior sofrimento, quem sabe até tantas mortes como as que queremos prevenir? A quantia investida no combate ao vírus, direcionada para outras causas não salvaria outras tantas? Faço perguntas porque não sei.
O tempo pode depender da descoberta de uma vacina, da sua produção, distribuição e administração. Um ano, ano e meio, dizem. Até lá apertamos e afrouxamos estas medidas, de forma intermitente, tentando controlar este e outros surtos futuros expectáveis para o tempo em questão? Como me parece pouco viável tanto tempo de espera, por motivos de desordem social, a eventualidade em que deposito mais fichas é de que, num horizonte de poucos meses, surja um medicamento para o tratamento da doença. Medicamento que reduza a gravidade da doença de forma satisfatória com consequente diminuição do número de mortes e que nos permita retomar a nossa vida social e laboral com alguns cuidados e mudanças. Este acontecimento associado à generalização dos testes a toda a população facilitando o rastreamento e controlo da propagação da infeção, são a minha esperança sincera de momento.
Alguns poderão apelidar de tardias as reações e encontrar culpados, nesta fase admito que não consigo, nem me esforcei por isso. Pelo contrário, estou surpreendida pela capacidade de adaptação rápida de tantos e com tantas ideias a uma nova condição. Tenho muita fé no sentimento coletivo de interajuda perante os cenários mais difíceis.
29.3.2020