Manuel Igreja

Manuel Igreja

Espreitar por cima do muro

Todos sabemos que, numa ou noutra ocasião, espreitamos por cima do muro. Vamos por aí nos caminhos da vida, e deparamo-nos com um muro que desafia a nossa curiosidade, e encavalitamo-nos e espreitamos. A curiosidade matou o gato, como diziam os antigos, mas não resistimos, mais preocupados em ver do que em ser visto.

Está nos livros. No fundo, se virmos bem, é da condição humana. Não fosse a curiosidade nascida do impulso de se descobrir o novo, e ainda andaríamos aos saltos de árvore em árvore, em vez de estarmos para aqui acomodados e, por vezes, incomodados por entre e com o uso das modernices.

Dizia alguém, já nem sei bem quem, que uma pessoa só precisa daquilo que conhece, por isso, sabendo, luta e busca para obter a satisfação da necessidade nascida do que viu. Obviamente que, com a dose de equilíbrio que baste, surge a noção de que, antes de se ter, tem de se obter o suporte devido para os custos emocionais e financeiros para o investimento.

Individual e coletivamente, é assim. Quando não é, está o caldo entornado. As coisas vão-nos sendo dadas a conhecer sem esforço da nossa parte, esbarramos com elas a todo o instante, sentimos e decidimos. Vou ter ou não quero. Não me apetece ou não me toca. Ou então quero, mas não posso. Logo nos dita aquela coisa que temos cá dentro, sem sabermos muito bem o que é. Há quem diga que somos nós.

O problema surge quando os olhos comem mais do que a barriga e os impulsos são mais fortes que os pulsos que seguram e regulam o querer e o ter. O obter. O comprar ou até o roubar. Não adiantam ilusões. O mais desejado é o que ainda não está alcançado, o que ainda se não possui e se não usufrui. Por essa via, vamos subindo no patamar do nível de vida, alcançando porque não cansamos.

Acontece, no entanto, que nem sempre sabemos respeitar o essencial e, incautos, vestimos o fato sem as medidas certas. Fica-nos desajustado porque não deve ser para nós. Acontece isto quando, no espreitar por cima dos muros, nos deparamos com mundos que, sendo para lá do nosso alcance, os entendemos como nos sendo devidos.

Num nada os emitamos. Basta provar. Primeiro pode-se estranhar, mas logo se entranha nos quotidianos mais ou menos mundanos. Portugal, ou seja, todos, seguimos a cartilha que nunca foi inventada ou definida, mas é utilizada umas vezes com tino, outras com desatino.

Saído que foi o país do cinzento duma ditadura de meio século, com dias vividos na remisga e sem grandes anseios, o desassossego aconselhável surgiu. O querer foi aumentado com o crer que nos levou a espreitar para ver os contornos de outros modos de vida que, num rompante e num instante, nos agradaram.

País periférico porque não sabe olhar e aproveitar o mar, país pobre entre os ricos que emita, é agora uma nação de gente adulta que acha que sabe muito, mas esquece-se de tentar ser mais culta. Fácil e frequentemente, na espuma dos dias, temos como mais importante aquilo que deve ser o que mais conta, entre as coisas que pouco devem contar.

Portugal espreitou por cima do muro. Viu e aproveitou. Consome e consome-se. No entanto, não soube e não sabe produzir para distribuir na exata dimensão das suas precisões. Emita os mais ricos porque, como é justo e recomendável, ninguém quer ser pobre.

Estamos agora em cima do muro no momento deste escrito. Abanamos, mas não caímos. Sabemos que temos o direito de passar para o outro lado. Pelos menos prometem-nos que para lá nos levarão.

A ver vamos como diz o cego. Mas, antes e no entretanto, temos de dar consistência ao chão des


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