Ana Soares

Ana Soares

Falta cumprir a democracia

Acabou agora mesmo o escrutínio nacional das eleições presidenciais. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, sem surpresa, foi reeleito à primeira. Quanto aos restantes resultados, sendo já pública a minha opinião, referir apenas que não consideram que hajam votos de primeira nem de segunda, votos de eleitores conscientes e inconscientes, nem lugares para tabus ideológicos.

Para mim, o mais gritante destas eleições é a democracia que falta cumprir. Não compreendo que a indignação destas eleições seja o resultado, baseado em voto em urna, de um qualquer candidato, quando milhares de pessoas foram impedidas de votar. Não sei se o iriam fazer ou se se absteriam, mas existir uma única pessoa – quanto mais milhares! – impedida de exercer o seu direito, o seu dever cívico, é inconstitucional e imoral, numa altura em que a abstenção grita por uma mudança do sistema político português que a política-partidária teima em não ouvir.

Tanto se fala da diáspora portuguesa, da importância da emigração, mas quando chega o voto nas eleições presidenciais, em que é fundamental dar a voz a quem também é parte integrante deste país, proíbe-se na prática que exerçam o seu direito de voto ao obrigar que percorram centenas de quilómetros para votar em consulados ou embaixadas. Mais grave ainda quando, fruto do contexto pandémico internacional que se vive, não o poderiam fazer mesmo que quisessem.

Falo também dos milhares de portugueses que testaram positivo à Covid ou foram colocados em isolamento entre os dias 15 e 23 de janeiro. Cidadãos que, estando circunscritos à sua habitação por motivos de saúde pública, foram impedidos de votar. E se esta circunstância é originária pela pandemia que atravessamos e que se encontra numa das fases mais avassaladoras, em situação muito próxima se depararam, em todas as outras eleições, aqueles que por motivo de doença se encontram incapacitados de se deslocar ou que o fazem com verdadeiro sacrifício.

É urgente uma revisão profunda do sistema eleitoral, uma alteração que se coadune com a terceira década do século XXI. Uma revisão que desconcentre o voto, que inove nas metodologias de recolha do mesmo (garantindo sempre a segurança de cada voto) e que deixe de ser exclusiva de quem está deslocado ou incapacidade e se imponha por ser inclusiva. Um sistema eleitoral que não deixe a uma gestão pontual - que se demonstrou notoriamente incapaz dos mais simples exercícios de avaliação e antecipação - a resposta a qualquer circunstância que venha existir e que seja, ele próprio, garante da democracia.

Não é necessário inventar a roda do sistema eleitoral. É necessário introduzir as boas práticas internacionais, sem medo do resultado da intervenção eleitoral de mais portugueses. Chega de louvar os novos meios de comunicação mas, na prática, agir anunciando que “a transição digital segue dentro de momentos”, momento esse que tarda e não se apresenta.

Alguém que decida abster-se, ainda que para mim seja incompreensível, toma uma decisão que lhe é conferido pelo sistema eleitoral. Alguém que é proibido de votar é uma negação da democracia. E, se todos nós não nos debatemos quando a democracia é negada, não nos podemos queixar do que demais acontece.


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