Alexandre Parafita
Graça Morais
Serenada a inquietude da pandemia, a UTAD vai, finalmente, a 11 de maio próximo, cumprir o ritual solene de atribuição à pintora Graça Morais do Doutoramento Honoris Causa, o título académico mais elevado e mais honroso que uma universidade pode atribuir. A instituição consagra assim o grande mérito de uma transmontana que se impôs ao mundo pela genialidade da sua obra. Uma obra feita de memórias que une o mundo rural de Trás-os-Montes ao resto do mundo.
Saiu em menina da pequena aldeia de Vieiro, do concelho de Vila Flor, mas nunca os holofotes do mundo a dominaram. Espiritualmente ali permanece e ali se refugia para oxigenar a energia que projeta na multiformidade da sua obra criativa que fez dela um ícone do telurismo transmontano. Das coisas simples, num ato de transfiguração sublime, constrói uma verdadeira mitologia do território, com os animais em expressões e olhares humanos, a raiar o sobrenatural, e os rostos amargurados das mulheres do povo, servis e leais. A dimensão ética da estética da sua obra, com os temas de pungente sensibilidade plasmados nas telas, demonstra um arreigado afeto à sua natureza, às suas origens, o que toca em muito a autoestima de qualquer transmontano.
Particular atenção lhe merecem as figuras femininas, inspiradas nos microespaços rurais que bem conhece, onde os rostos se apresentam como símbolos icásticos que contam histórias. As rugas são retalhos rendilhados de amor, onde a beleza do tempo se perpetua como se fossem páginas de livros. E falam, falam, sobretudo de sentimentos e emoções que lisonjeiam a identidade deste povo. Muito justa, pois, a decisão da UTAD em inseri-la no seu panteão doutoral.
Graça Morais teve a gentileza de fazer a apresentação, no Museu do Douro, de um dos meus livros, e aí, mais uma vez, deixou a marca do grande amor pelas raízes transmontanas que ambos partilhamos. Felicito-a por mais esta honrosa distinção.
in JN, 5-5-2022