Barroso da Fonte

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Grande Guerra e Guerra do Ultramar: duas realidades distintas (1914-1974)

Em 15 de Janeiro último fez 31 anos que foi inaugurado, em Lisboa, em Belém, junto ao Forte do Bom Sucesso, o Monumento Nacional que perpetuará, pelos séculos fora, «os melhores de nós todos», que foram cerca de um milhão de jovens, entre 1961 e 1974, nove mil dos quais perderam a vida nas antigas Províncias Ultramarinas.

Impunha-se inscrever na História de Portugal o simbolismo desse Monumento, cuja ideia nasceu em Guimarães, em 1984, no seio da Associação dos ex-Combatentes do Ultramar. Em 29 de Janeiro de 1987, na sede da Liga dos Combatentes foi depois constituída a Comissão Executiva, formada por representantes de oito instituições, alinhadas por ordem cronológica da sua fundação, a saber: Sociedade Histórica da Independência de Portugal (1861); Sociedade de Geografia de Lisboa (1875); Liga dos Combatentes (1924); ADFA (1974); Associação de Comandos (1975); AEFAP (1977); Associação dos Ex-Combatentes do Ultramar (1982); e Associação da Força Aérea Portuguesa (1983).

Em 1986 foi deliberado, por unanimidade, confiar a presidência dessa Comissão ao General Altino de Magalhães, na sua qualidade de Presidente da Liga dos Combatentes da Grande Guerra. Para além da Comissão Executiva foram também instituídas: a Comissão Técnica, para elaboração do projeto do Monumento e a abertura de concurso público a todas as equipas de reconhecido mérito em arquitetura; e a Comissão de Honra para que a construção do Monumento envolvesse toda a sociedade civil, desde o Presidente da República, a todos os órgãos de soberania. O então Presidente da República recusou o convite, alegando que essa intenção implicava uma imagem pública de concordância com a Guerra do Ultramar que ele (Mário Soares) não partilhava. Tal recusa fez com que a Comissão de Honra não fosse por diante. Mas acabou por presidir ao ato da inauguração. Apesar dessa resistência a Comissão Executiva não desanimou, antes entendeu que deveria ter «o vulto de um Monumento Nacional» e que era urgente a sua construção. E para ter a maior dignidade e transmitir força, serenidade e respeito, deveria convidar à meditação profunda do amor à Pátria e à exaltação do cumprimento do dever cívico. Mais: deveria prever-se a organização adicional de um Museu do Combatente.

O Ministro da Presidência e da Defesa Nacional, Eurico de Melo, concordou com o caderno proposto pela Comissão Executiva e aprovou o espaço sugerido para a construção desse monumento, processo moroso que apenas foi concluído em 21/09/1990, já sob a tutela do Ministro Fernando Nogueira. A abertura do concurso para o projeto foi publicada no D.R. de 5 de Maio de 1991, 3ª série e ganhou-o a proposta do Arqtº Francisco Guedes de Carvalho. A execução desse projeto foi entregue, por unanimidade e sem reclamações dos restantes quatro concorrentes, à Firma Amadeu Gaudêncio que apresentou a proposta mais baixa: 95.598.967$00. A obra seria inaugurada, solenemente, em 15/01/1994, sob a Presidência do PR, debaixo de muitos apupos e grande contestação. O orador oficial convidado foi o Prof. Doutor Adriano Moreira.

Do Ministério da Defesa, de algumas Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, empresas e cidadãos individuais, foram reunidos 8.839.540$00. Com algumas verbas que sobraram foi deliberado colocar, nas Muralhas do Forte do Bom Sucesso, os nomes de todos aqueles que perderam a vida em combate. E foram mais de nove mil. Essa segunda inauguração, ocorreu em 5/2/2000. Por despacho de 16/10/1998, a Comissão Executiva foi dissolvida, por já não se justificar. Foi também atribuída à Liga dos Combatentes da Grande Guerra, a gestão desse monumento nacional.

Tudo isto e algo mais pode ler-se no livro «Monumento aos Combatentes do Ultramar (1961-1974)», da autoria do General Altino de Magalhães que, ao tempo, era Presidente da Liga. Um valioso testemunho porque ninguém melhor do que ele conheceu os passos deste monumento nacional. Em 9/4/1989, durante as cerimónias da Batalha de La Lys, perante o vice-primeiro Ministro e Ministro da Defesa, Altino de Magalhães anunciou a abertura do concurso para a sua Construção e afirmou: «Como é do conhecimento público a Associação dos Combatentes do Ultramar, com sede em Guimarães, lançou, há cerca de 4 anos, a ideia da construção desse Monumento». Na página 19 do memorial, editado em 2008 pela EUROpress confirma: «A Associação dos Combatentes do Ultramar, no seu jornal Sentinela, em Março de 1985, referindo-se a construção exprimiu que teriam o maior mérito todos os apoios para essa realização».

Embora fique claro que a paternidade desse Monumento pertence à ANCU, criada e residente em Guimarães até 2002 - data em que foi transferida para a cidade de Tondela - esse livro alude a uma referência, em 1 de Fevereiro de 1985, à Associação de Comandos, o que não corresponde à verdade. Este equívoco pode gerar alguma confusão histórica pelo facto de, na mesma página, citar o Boletim «Sentinela» nº 7, referente a Março de 1985. É que na edição nº 5 do mesmo Boletim, mas de Agosto de 1984, na página 3, já podia ler-se no Plano de actividades: «designação de um grupo de associados que tenham como tarefa essencial a angariação de meios e apresentação de estudos tendentes à construção de um Monumento nacional em homenagem aos Combatentes do Ultramar.

O signatário desta informação criou, em 1982, aquela coletividade que, em 1996, mudou o nome para Associação Nacional dos Combatentes do Ultramar. Até 2002 foi presidente da Direcção e diretor do Boletim Sentinela, com o pseudónimo de Fernando Paixão. Por sua proposta transferiu-se a sede para Tondela, em 2002, onde se mantém, de pedra e cal. Quem tiver dúvidas consulte esse Boletim, onde está contada, número a número, essa cronologia que permite concluir a paternidade e a responsabilidade desse Monumento. Só num email datado de 8 de Outubro último pudemos conhecer a biografia de uma das 2 filhas do associado Duval de Oliveira Bettencourt, oficial miliciano que faleceu em 11/03/1998.

Em maio de 1984, Altino de Magalhães passa à situação de reserva e, em novembro de 1991, cessa a sua atividade profissional. Já desvinculado e livre, como qualquer civil, foi-lhe feito o convite para se inscrever como sócio da ANCU. Estava-se em 1986, ano em que foi eleito presidente da direção da Liga dos Combatentes, não do «Ultramar, mas da Grande Guerra», de que já era sócio e beneficiário. Antes desta nomeação, fora convidado pela ANCU, de Guimarães, para ele ser, em Lisboa, o representante da direção, durante o tempo que fosse preciso, para diligenciar junto dos poderes nacionais, aí concentrados, naquilo que fosse preciso para obviar a construção do Monumento. Manuel dos Santos Conceição, um dedicado associado da ANCU desde a 1ª hora, foi-lhe disponibilizado, graciosamente, como seu «motorista e impedido». Apenas cessou essa colaboração, em1994, com a inauguração do Monumento.

Altino de Magalhães, militarmente, foi impoluto e irrepreensível. Mas gerou uma confusão inacreditável que apenas pode ser justificada pela sua proveta idade: baralhou, sem se explicar, os Combatentes da Grande Guerra, com os Combatentes do Ultramar. Uns e outros foram Portugueses: Com os primeiros preocupou-se o Estado Novo. O país estava exausto e ficou estrangulado de pés e mãos. As causas foram mundiais no primeiro conflito e nacionais no segundo. Entre 1914 e 1974, Portugal sofreu muito e de todas as maneiras.

Chegou agora às livrarias o livro: «O SAL DA HISTÓRIA – Monumento aos Combatentes do Ultramar» da autoria do Doutor Armando Palavras, que procura clarificar o imbróglio que Altino de Magalhães liderou, durante a construção do Monumento Nacional em Lisboa e que foi inaugurado em 15 de Janeiro de 1994. Fez agora 31 anos. O atual Presidente da Liga dos Combatentes, general Chito Rodrigues, durante alguns anos, promoveu um desfile militarizado, junto ao Forte do Bom Sucesso, a partir do Mosteiro dos Jerónimos. Entretanto foi criado o Movimento 10 de Junho, com esse objetivo e com o pretexto de comemorar o Dia de Portugal. A pensar nesse encontro-convívio, o Doutor Armando Palavras, autor deste livro de 160 páginas, com 93 gravuras e documentos comprovativos vários, demonstra as muitas e irreparáveis contradições que foram propaladas e que teimam em aparecer em teses académicas, desvirtuando a paternidade de quem idealizou o Monumento aos Combatentes do Ultramar e se esforçou para o tornar realidade. E fica bem claro que a história oficial do Monumento ignorou e não conseguiu distinguir o papel da Liga (daqueles que deram a vida na 1ª Grande Guerra, em 1914-18)), daqueloutros que foram martirizados no Ultramar entre 1961 e 1974. Este livro destina-se a travar a fraude galopante, quer dos leitores, quer dos académicos, que somam dissertações como incêndios que reduzem a verdade a cinzas irredutíveis.

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