Batista Jerónimo

Batista Jerónimo

Há presidentes de câmara e presidentes de causa própria.

No interior de Portugal, o lugar de presidente de Câmara pode ser uma armadilha perigosa. Por norma este não é o padrão dos autarcas, mas, são as exceções - as “maçãs podres” - que contaminam a opinião pública e levam à generalização.

Frequentemente, os eleitos chegam ao cargo sem preparação, muitas vezes sem ser expectável. Recebem um poder que, mais do que institucional, é atribuído pelo contexto e que rapidamente interiorizam. Ao redor, forma-se o séquito de “serventes”, todos ajustados à mesma bitola. As mordomias crescem absurdamente de um dia para o outro - carro, motorista, secretária, assessores, adjuntos, funcionários - e até alguns cidadãos colaboram no processo de endeusamento. A miopia do eleito, misturada ao narcisismo, à impreparação e à incompetência, desenvolve a arrogância, e rapidamente termos um ser autocrático.

Entretanto, surgem as vozes aduladoras dos “pretorianos”: “És brilhante”, “ninguém te acompanha”, “arrasaste com aquela tirada”, “és um mestre”, “és um líder ímpar”, “que resistência”, “topa-los à distância, “ninguém te engana”. Elogios vazios que alimentam a ilusão e afastam o eleito da realidade, música penetrando nos seus ouvidos imaturos.

Esse falso pedestal traz não apenas o suposto poder, mas também os “privilégios” que ele confere: os elogios constantes, as vantagens pessoais, e até mesmo as conquistas fáceis - o famigerado “elevador horizontal”. Tudo contribui para desumanizar o ser anacrônico que se forma. A autoridade transforma-se em moeda de troca, e o abuso de poder vai corroendo o caráter e minando a sanidade.

Em paralelo, surgem os corruptores. Com falinhas mansas e argumentos sedutores, oferecem contrapartidas difíceis de recusar. A primeira vez pode até ser acompanhada de hesitação, mas, depois do primeiro deslize, a corrupção normaliza-se. As justificações surgem para silenciar a consciência: “Se os outros fazem, por que não eu?”; “O lugar é tão mal pago.”; “Se o filho de fulano foi para a universidade X e tem carro, por que não o meu?”. E assim, o ciclo se alimenta, corroendo qualquer vestígio de integridade. O discernimento é substituído pela sensação de estar acima da lei.

Mas, ao fim do mandato, quando a realidade bate à porta e tudo termina abruptamente como começou, a queda aparatosa é inevitável. Com ela, podem surgir distúrbios psíquicos, e, em casos extremos, o desespero da ausência do suposto poder e da bajulação leva ao isolamento, ou, nos cenários mais drásticos ao suicídio.

A família, a cúmplice silenciosa, também carrega sua parcela de culpa ao permitir que o “extraterrestre” se alimente do endeusamento e ao não questionar o avolumar do património, acabam ajudando a criar uma figura distorcida e desconectada da vida real.

Dos políticos no exercício do efémero poder, ficamos com a impressão de que se tornam acéfalos, contrariamente ao que pretendem transmitir e são frágeis ao ponto de serem facilmente manipulados e influenciados.

A suposta verdade e o saber inquestionável que lhes é atribuído, advindos do suposto poder que julgam eterno, revelam-se finitos e nem se apercebem disso, confinados à bolha que criaram e da qual não conseguem sair.

Baptista Jerónimo, 28/01/25



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