Luis Guerra
Imigrantes e refugiados
As imagens dos migrantes na fronteira da Bielorrússia com a Polónia, mas também daqueles que tentam chegar à Europa por via marítima ou ao Reino Unido através do Canal da Mancha, bem como aos Estados Unidos a partir da América Central, mostram um fenómeno global que evoca a experiência dos portugueses e, particularmente, dos transmontanos, nas décadas de 60 e 70 do século passado, quando partiam clandestinamente, sobretudo para a França, Luxemburgo e Suíça.
Ainda hoje a experiência da emigração é claramente visível no tecido social transmontano, quer pelas memórias dos muitos que passaram pela mesma quer pelo regresso periódico, em tempo de férias, dos que permanecem no exterior e vêm visitar a família ou tratar dos seus assuntos pessoais e patrimoniais.
Certo dia, em Paris, há pouco mais de dez anos, tendo-me deslocado a um cibercafé para poder aceder ao meu correio eletrónico, acabei por coincidir com um cidadão português emigrado em França, que me relatou brevemente a sua experiência, desde os tempos da clandestinidade até àquele momento.
Recordava ele como, antes da entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia (CEE), hoje União Europeia, os emigrantes portugueses em França eram tratados de igual forma que “os árabes”. Tinham que passar por longas filas para tentar obter a carta verde; tinham que tentar evitar os controlos policiais e, quando não o conseguiam, submeter-se a revistas ameaçadoras e humilhantes; tinham que se sujeitar a condições habitacionais difíceis; e tinham que suportar o trato arrogante de muitos franceses.
Por outro lado, na nossa memória coletiva, perdura ainda a experiência da chegada de muitos refugiados nacionais nos anos de 1974/75, provindos das ex-colónias portuguesas em África, e da sua dificuldade de integração - que a escritora Dulce Maria Cardoso tão bem retratou no seu livro “O Retorno” -, mas também da lufada de ar fresco que a sua presença trouxe à conservadora sociedade portuguesa.
Por isso, não nos é possível ficarmos indiferentes perante o drama das pessoas que tentam a aventura da emigração ou fogem de conflitos ou perseguições, em prol de uma vida melhor para si e os seus filhos.
Hoje, também, os migrantes e os refugiados provenientes de outras paragens suportam essas mesmas dificuldades e agruras, a mais difícil das quais será porventura serem olhados e tratados como criminosos pelas autoridades dos países de destino, sem terem, contudo, praticado nenhum ilícito criminal ou que deva merecer esse enquadramento legal.
E, na verdade, qual é a ameaça real que estas pessoas representam para os países economicamente mais desenvolvidos? De facto, a experiência demonstra que os países que, ao longo da história, receberam diversos fluxos migratórios aceleraram a sua dinâmica social, cultural e económica, incrementando o seu progresso; que os imigrantes são, geralmente, contribuintes líquidos para o orçamento nacional dos países de acolhimento, favorecendo o crescimento económico; que muitos dos empregos que os mesmos estão dispostos a aceitar não têm candidatos entre os nacionais.
É certo que, segundo as leis do mercado, maior abundância de mão de obra tende a produzir desvalorização salarial, mas isso só é totalmente assim no contexto de economias desreguladas e em situações de exploração de trabalho ilegal. Assim, a fixação de um salário mínimo nacional e a regularização da situação dos estrangeiros, equiparando-os aos cidadãos nacionais, mormente no que respeita aos direitos civis e laborais, tendem a limitar os impactos negativos sobre o mercado de trabalho.
Do mesmo modo, a definição de políticas públicas de acolhimento, incluindo o ensino da língua portuguesa e de noções de cidadania, bem como a satisfação dos seus direitos económicos, sociais e culturais (educação, saúde, habitação), na medida das possibilidades nacionais e das suas necessidades, favorecem a sua rápida inclusão na sociedade portuguesa, numa perspetiva de convergência na diversidade.
Finalmente, nesse quadro, as ameaças à ordem pública e à segurança nacional serão certamente residuais e terão sempre que ser avaliadas caso a caso, com base em indícios seguros, e não com base em preconceitos individuais ou coletivos, por parte das forças policiais.
Isto posto, não será, seguramente, pela construção de novos muros que se irá resolver esta onda de migrações, movida por diversos fatores, em que as desigualdades económicas e sociais jogam um papel relevante, a par das alterações climáticas e das guerras e instabilidades políticas regionais, mas sim pela criação de uma ordem mundial cooperativa, justa, solidária e sustentável.
Tempos houve em que os habitantes de uma aldeia desconfiavam dos forasteiros, mesmo que da aldeia vizinha, vendo nos mesmos uma potencial ameaça e, reprimindo, por isso, todo o tipo de convivência entre os jovens de um e outro lugar, mormente namoros e casamentos. Na verdade, nesta atitude hostil ou indiferente aos estrangeiros que batem à nossa porta subsiste esse temor atávico de que o outro leve o mais precioso que temos. Talvez essa atitude seja uma reminiscência do tempo em que os povos sedentarizados tinham que se defender dos raides dos que se mantinham nómadas. Ainda assim, não há dúvida que as circunstâncias mudaram muito e, sobretudo, que hoje podemos perceber naqueles que chegam a mesma humanidade que habita no nosso interior, apesar das diferenças pessoais e culturais.
E isso devia ser suficiente para que não nos conformemos com o que se está a passar nas nossas fronteiras e para que reivindiquemos políticas respeitadoras dos direitos humanos para todos, fazendo a nossa parte.
Luís Guerra, juiz e membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas