Manuel Igreja
Ingovernável
Portugal é um país ingovernável. Ou antes, sempre o foi, segundo dizem alguns. Já há dois mil anos, no tempo dos romanos, um dos governadores colocados por aqui, escreveu ao imperador queixando-se das suas dificuldades em ter mão nisto. Ao tempo não seria necessariamente responsável perante Roma do nosso actual território pátrio unicamente, mas decerto este também lhe competia.
Escreveu o mandante romano dizendo que as pessoas de cá, não se governavam nem se deixavam governar. Cultivavam, assim algo como uma anarquia orientada pela arte de desenrascar, digo eu. Se assim foi, já vem então de longe a nossa célebre forma de viver atreita a planeamentos e a coisas muito elaboradas, que não fazendo com que tenhamos ido longe, também graças a Deus Nosso Senhor, pelo menos até agora, foi dando para os gastos.
A questão é que aqui agora a porca torce o rabo. Os tempos não vão para espertezas de último recurso. Chegamos a um ponto em que a estrutura tem de ser revista de cima a baixo, impondo-se medidas que alguns apontam como forma única de se sair do atoleiro em que nos metemos, ao mesmo tempo que outros indicam ser elas um verdadeiro empurrão para quotidianos de outras eras. Uma forte brisa, para não dizer ventania, empurra-nos para trás, como se o dever da humanidade não fosse ir em frente.
Nestes nossos dias, caso o tal romano cujo nome me não ocorre, por artes insondáveis viesse dar ao nosso meio, até se benzeria com a mão esquerda de tanto ser o seu espanto com a ingovernabilidade deste nosso Estado, apesar de este respeitar a uma das mais velhas nações da Europa. Espantar-se-ia com o verdadeiro milagre que foi, pelo menos para ele, o facto de gente assim ter conseguido cimentar uma pátria milenar que deu novos mundos ao mundo.
Diria que que somos um grande povo, primeiro em muitas coisas, excelente noutras tantas, apesar dos governantes calhados nas contingências da história. Concluiria até, quem sabe, que nos governamos melhor quando não nos governam, que é como quem diz, quando não nos estorvam a criatividade, não nos cerceiam a vontade, e nos não matam o ânimo que como se costuma dizer, é irmão siamês da esperança, a tal que não pode morrer, mas que não nos conseguem manter.
Lembrei-me. O tal comandante romano, chamava-se Galba, e andou por aí à luta com os Lusitanos numa era em que Cristo ainda não tinha nascido para dizer coisas do bom e do melhor aos poderosos quando se irritava com eles.
Pois bem. O que diria o chefe das legiões invasoras ao deparar-se com o estado a que isto chegou? Não me refiro propriamente à situação económica e financeira que disso nem é bom falar e não falta por aí quem deite álcool na ferida. Cassandras a apregoar descalabros terríveis para depois nos ferrarem nas ilhargas, que é como quem diz nas algibeiras, deu-nos o Criador à mão cheia.
Vou antes pela política propriamente dita. Um país que tem no poder um partido social-democrata, liderado por neoliberais encantados com amanhãs que cantam raiados pela bondade do capital, e uma Constituição nascida num contexto revolucionário e que em boa parte mantém uma essência antagónica com a matriz e os conceitos de quem adora o deus mercado, não é governável. A sê-lo, conseguir-se-ia a verdadeira quadratura do círculo.
Por isso, é que das duas, três, como dizia o outro. Ou se altera a Constituição, ou se altera a liderança do partido de maneira a que a identidade ideológica condiga, ou se muda de governo, com o risco de se mudar alguma coisa, para que fique tudo na mesma.