Vítor Batista
Interioridade #3: A mesma água nunca passa duas vezes por baixo da mesma ponte
Nos nossos governantes há a espectativa de que Portugal irá ter uma recuperação "acentuada" com o regresso do investimento e turistas, assente na ideia de que a forma como lidaram com a pandemia, faz de Portugal um porto seguro. É certo que não passa de uma avaliação ex-ante baseada em suposições e fundamentos subjectivos, mas, dadas as circunstâncias, não podemos criticar porque a economia precisa mesmo é de um discurso positivo, mesmo que subjacente na ambição dalgum retorno populista.
A economia assenta sobretudo em premissas de confiança. Quando a confiança cresce, cresce a economia e, quando a confiança se perde, a economia vai pelas ruas da amargura. Só há uma “pequena grande” diferença: o tempo necessário para ganhar a confiança necessária não é o mesmo que se precisa para passar a estar na mó de baixo.
No que diz respeito ao investimento, este poderá até manter-se ou decrescer ligeiramente, pois muitos investidores andarão um pouco à toa, na azáfama de encontrar oportunidades de investimento onde poderão ter as menores perdas possíveis e, aqui, o imobiliário, é sempre uma boa forma de materializar dinheiro, ou aquele investidor oportunista (abutre) que espreita na crise uma boa oportunidade para comprar “ao desbarato”, participações de empresas que se encontram com a corda ao pescoço. Não é este tipo de investimento, que precisamos!
Já no turismo, concordo, mas em parte e numa linha de pensamento que nos diferencia, fundamentada também ao nível da Confiança. Refiro-me à Confiança ou falta dela que leva uma pessoa individualmente a agir desta ou daquela maneira. A meu ver o turismo vai ter uma recuperação "acentuada”, mas não me refiro ao turismo que eles estão a pensar, o “Turismo de Massas”. Esse, nos grandes centros de Lisboa, Porto e Algarve, dificilmente irá registar os números pré-covid nos próximos tempos. Contudo, a plasticidade do turismo vai obrigar (os decisores) a olharem para outros segmentos do sector que dantes ignoravam e preteriam. Só que isto, vai obrigar a exercícios de inteligência colectiva interministerial e da administração local.
No curto-médio prazo, o “Turismo Natureza” e o “Turismo em Espaço Rural” serão os únicos segmentos do turismo com maior potencial de crescimento e, se os governantes forem visionários, poderão ser as alavancas capazes de manter a engrenagem da economia turística em andamento, à espera que os restantes segmentos (os de massa) recuperem a confiança e apanhem um comboio em andamento. Que fundamentação está na base desta ideia?
Neste momento de “desconfinamento” e de retoma gradual das actividades económicas, de duração incerta, do que é que as pessoas desconfiam ou confiam mais? Pois bem, a meu ver, a desconfiança será tanto maior quanto mais massivo, artificializado e distante for o produto ou o serviço turístico oferecido, e, de maneira oposta, os produtos e serviços turísticos sustentáveis, construídos num equilíbrio com a natureza e domésticos (nacionais) ou de proximidade regional (ibéricos) ganharão preferência e maior confiança num futuro próximo pós-Covide. Isto porque, a condição humana (à semelhança de qualquer outro ser animal) tem subjacente o Medo como instinto básico que o domina em situação de crise/stress ou desconfiança de qualquer coisa. O Medo, que o leva a agir de forma a evitá-lo, pois só o confronta se não tiver alternativa. Mas aqui há alternativa, há um Turismo alternativo de confiança.
“A mesma água nunca passa duas vezes por baixo da mesma ponte” como disse Heráclito, o pensador do "tudo flui" e que acreditava que tudo está em movimento e nada dura para sempre. A oportunidade está aí! Aos que confiámos as rédeas do destino do nosso Trás-os-Montes, é tempo de arregaçarem as mangas, pois o custo da oportunidade perdida será a maior exclusão socioeconómica alguma vez sentida nas sendas do desenvolvimento.
É verdade que temos um Trás-os-Montes a diferentes velocidades e com poucos municípios agrupados numa estratégia de desenvolvimento supramunicipal sólida, construída sobre uma identidade territorial suficientemente capaz de atrair movimentos turísticos significativos. Mas, felizmente temos os recursos endógenos diferenciadores, gente capaz, empreendedores que individualmente deram grandes passos e, exemplos colectivos, que se tornam únicos à escala nacional. Dos exemplos colectivos, o que mais se enquadra neste contexto é o recente Parque Natural Regional do Foz Tua, o único “Parque Natural Regional” em Portugal, por ser o único proposto e gerido por uma entidade local, neste caso pela “Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua” (ADVT) movida pelos municípios de Alijó, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, Murça e Vila Flor.
É certo que em Portugal não temos uma ideia muito favorável das áreas protegidas, mas este Parque Natural Regional distingue-se, precisamente, por ter um modelo de governação e de gestão próprio, assente numa abordagem de proximidade e de envolvimento activo dos agentes socioeconómicos locais e que representa para todas as partes interessadas uma ferramenta-âncora no desenvolvimento socioeconómico do território do Foz Tua, aquilo que em parte os outros parques naturais já tiveram. Infelizmente, já lá vão quase 20 anos a permitirmos que se façam experiências de modelos de governação do nosso território, quando o sucesso passa pela abordagem de gestão, de proximidade, claro!
Pessoalmente, acredito no sucesso deste tipo de iniciativas, mas nesta acredito ainda mais pelo seu carácter pioneiro e visionário, na medida em que estes municípios, numa inteligência colectiva, souberam por de parte o interesse particular do seu “quintal” a favor da valorização da paisagem colectiva, com maior retorno diga-se de passagem. Não será hora de descentralizar ou regionalizar, se quiserem, a gestão das áreas protegidas e não ficarmos passivos com o “sabor a pouco” da representação em órgãos consultivos? Não podendo ignorar os cuidados necessários para garantir a salvaguarda dos valores naturais em causa, a "galinha dos ovos de oiro".
Não restam dúvidas que Trás-os-Montes é a região mais biodiversa do território nacional dada ao abandono. O Parque Natural de Montesinho, noutros tempos, já foi considerado “a jóia da coroa” das áreas protegidas portuguesas, e hoje? Na categoria Parque Natural, temos ainda o Parque Natural do Douro Internacional e o Parque Natural do Alvão. Temos Rede Natura 2000, como os casos dos Sítios de Importância Comunitária dos Rios Sabor, Maças, e de Morais e a Zona de Protecção Especial dos Rios Sabor e Maçãs, entre outros. Como marca-chapéu temos o nordeste transmontano, quase em exclusivo, dentro da Reserva da Biosfera Transfronteiriça Meseta Ibérica da UNESCO. A nível municipal, temos a Geopark Terras de Cavaleiros(*) (também uma rede UNESCO). Beneficiamos ainda de algum território do Parque Nacional da Penada Gerês, o único parque nacional português, ao nível do concelho de Montalegre, que também é território da Reserva da Biosfera Transfronteiriça Gerês-Xurés da UNESCO.
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18/05/2020
(*) que por sua vez, tem no território os Caretos de Podence, Património Imaterial da Humanidade da UNESCO, oficialmente reconhecidos em dezembro de 2019.
Nota: Este texto é escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.