Manuel Igreja

Manuel Igreja

Ir ao Cinema é Bom. Na Terra.

Ainda sou do tempo em que ir ao cinema era um acto social. Fora de Lisboa ou do Porto, nas terras já com alguma importância, havia uma sala de cinema com sessões geralmente numa noite do meio da semana, e aos fins-de-semana. Na Régua desde que há memória dessas coisas, sempre as houve. O teatrinho inaugurou-se em 1911 e o Cine Teatro Avenida na década de cinquenta do século XX. Antes houve outros mas agora não interessa.

Ir á sessão para se verterem emoções ao sabor das fitas, ou se darem saltos na cadeira ao ritmo das perseguições e dos tiros, era normal, mas era também uma afirmação social. Não se ia assim de qualquer maneira. Nem que mais não fosse, pelo menos vestia-se a roupa domingueira que ninguém queria fazer má figura. Todos viam todos sem que alguém visse alguém.

Isto, no que respeita ao medir-se a pose de cada qual, pois além de tudo o átrio do edifício do cinema era também o largo da terra. Era pelo menos e no entanto um dos primeiros em importância sociológica e cultural, mercê das mãozadas que se davam e dos beijos de cumprimentos que se trocavam.

Viam-se amigos, acenava-se a conhecidos, falava-se disto e daquilo, e saísse a saber um pouco mais da vida e das voltas que ela dá. Para uns algum tempo é sempre em frente, ao mesmo tempo que para outros por vezes anda às arrecuas como o caranguejo. Depois, sempre havia oportunidade de trocas de olhos com ar galanteador seguindo a escola dos galãs da fita.

No fundo ultrapassando o seu papel de arte, ou não seja ele a sétima, o cinema era em boa conta um agregador da sociedade no seu quotidiano evolutivo e vivo. Era uma obra que se ultrapassava a si mesma nas esquinas do viver e do sentir, é o que era. Digo eu. Ir ao cinema era uma questão de atitude.

Mas as coisas são como são. A páginas tantas, a modernidade levou-nos o convívio surgido entre e no fim das fitas. Por razões que não vêm ao caso, as salas de cinema encerram em quase toda a parte. Passámos a ir ao cinema com uma pala nos olhos. Vemos o mundo desfilar na tela, mas não reparamos no que nos está à mão de semear debaixo do mesmo teto. A não ser que…, se é que me faço entender.

Vem isto a propósito, fazendo a ligação ao título, com o facto de na Régua começar a ser possível ir-se ao cinema. O novo auditório assim o permite fazendo renascer uma possibilidade e um hábito muito enraizado nos reguenses que bem se lembram do outro ali perto e para quem o descrito até aqui é uma memória relativamente recente, ainda que pareça coisa de há séculos. Quem se lembra ainda do placard com os cartazes dos filmes numa parede no cimo da Régua?

Não sei se será coisa minha, mas que nas vezes em que fui ao cinema novo da Régua, senti que valia mais a pena. Lá isso senti. Vi o filme mais aconchegado, mais em casa. Percebem? Por acaso, apesar de ver quem mais estava na sessão, não pus fé nos atavios de cada qual, mas juro que irei reparar na próxima vez. Depois conto. O filme, claro.


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