Ana Soares

Ana Soares

Listas, para que vos querem?!

Nas últimas semanas, duas listas têm estado no centro da polémica mediática: a lista de condenados por pedofilia e a chamada lista de contribuintes VIP.

Quanto à proposta de criação de uma lista de condenados por pedofilia, crime que todos quantos têm consciência social devem considerar no mínimo hediondo, parece-me ter sido pensada nos piores moldes em que o poderia ter sido. Antes de mais, porque está ferida de inconstitucionalidade. E não se diga que a inconstitucionalidade, neste caso, visa apenas proteger o Cidadão que, presente a julgamento, foi condenado. Isto porque importa recordar que o Estado de Direito assenta em vários pilares essenciais, entre os quais estão certamente o afastamento da justiça popular, a tranquilidade social e a presunção que o condenado, após cumprida a sua pena e salvo quando comete novo crime (o que levará a nova pena) tem direito a reintegrar-se na sociedade.

Não haja qualquer dúvida que o assento tônico em qualquer política - penal, preventiva ou de acompanhamento - sobre pedofilia deve focar-se na protecção das crianças. Aliás, a protecção hoje reconhecida as crianças é um dos bastiões evolutivos que considero mais significativos do último século. No entanto, é exactamente por esta protecção e para que a mesma se efectue com respeito pelos princípios do Estado de Direito que referi, que a lista - com a qual não discordo como ideia base - merece total discórdia da minha parte pela forma como foi pensada. Desde logo, porque qualquer alteração para a criaccao da lista tem que ser bem pensada e enquadrada no sistema penal português. Depois, porque se há órgãos de investigação criminal e policiais deve ser a estes que caberá o acompanhamento e prevenção que a lista deve pretender exercer e nunca haver um livre-passe para o acesso à mesma.

Isto porque, se é verdade que a pedofilia é dos crimes em que mais se verifica reincidência, a própria protecção da criança e do seu agregado familiar exige que a prevenção a que a lista deverá dar lugar tenha como actores os órgãos competentes na sociedade. E, se o problema desta solução é o receio de não haver meios humanos e técnicos para o correcto cumprimento do mandado, pois que se realizem as mudanças legislativas necessárias para a dignificação do corpo de polícia e militar do nosso País.

Quanto à lista de contribuintes VIP - e que mal vai um país em que quem se lembra de implementar uma lista destas só nela inclui quatro personalidades - a sua existência é simplesmente vergonhosa.

Se há quem, por mil e um motivos, desperte mais a curiosidade quanto aos seus dados fiscais do que um simples cidadão, não é por esse motivo que merece protecção especial e que os sinos toquem arrebate quando tal informação é consultada. Esses mesmos sistemas de alarme devem ser implementados por qualquer acesso indevido até porque, por menos importantes que sejamos, há sempre um vizinho ou familiar que gostaria de saber mais sobre nós do que efectivamente sabe, e os dados que comunicamos ao Estado têm que ser protegidos. Ponto final.

Outra questão, é a responsabilidade política quanto a estes factos. Pedir-se a cabeça do - na minha opinião - melhor Secretário de Estado do Governo quando está em curso uma investigação para apurar factos e responsabilidades é populista, incorrecto e descabido. Apure-se a verdade dos factos e, aí sim, fale-se com rigor e exija-se o que houver a exigir. Não antes.

Por último quanto a esta questão, parece-me que há em Portugal um problema central que importaria solucionar já há muito tempo mas que, mesmo com mais esta polêmica, parece passar impoluto. A verdade é que não é só nas repartições de finanças que órgãos do Estado ou pessoas com determinadas qualificações acedem aos dados de qualquer cidadão, como por exemplo as propriedades ou veículos que possui. Veja-se o caso dos Funcionários de Justiça dos Tribunais, os colaboradores de Agentes de Execução e por aí adiante. Não interessaria, de uma vez por todas, ter coragem política para traçar fronteiras à curiosidade e até perversidade de quem acede aos dados sem fundamento legal?! Não seria isso bem mais importante que fazer chacota política com uma lista que jamais deveria ter existido?! E tanto que há a fazer a este respeito! Mas talvez, ainda que muito
Mais necessário e protector de todos nós cidadãos, não seja tanto motivo de cabeçalhos de jornais e aberturas de telejornais e, por isso, menos apelativo...


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