Luis Ferreira
Luar de prata
Dias de ventura, de ansiedade, de alegria, de amor e de recordação, são estes que se vivem neste momento ímpar em que se festeja o Natal. Simplesmente Natal!
Infelizmente nem todos têm o prazer de saborear os momentos mais íntimos adstritos a esta época, mas talvez por isso mesmo, são levados a recordar os que viveram em anos passados e sentir a falta profunda de os voltar a reviver. Nestes dias frios de inverno em que o nascimento de Jesus é mais sentido e venerado, renasce um misto de sentimentos que levam os homens de bom senso a equacionar toda uma vida, com altos e baixos e a repensar o que fariam de diferente se pudessem voltar atrás ou o que poderão fazer no futuro para que tudo seja melhor. Com a família ao seu redor e o coração pleno de alegria e felicidade, quem não vive intensamente este momento que se resume, no fundo, a uma ceia de consoada onde todos confraternizam, exteriorizam a sua alegria e recordam tempos passados.
Cantava Amália e dizia que um misto de ventura, saudade, ternura e talvez amor, mas cantando sentia o mesmo quando se tem um desgosto e o pranto no rosto nos deixa melhor, e nessa miscelânea de sentimentos fortes que as lágrimas correm no rosto, aliviando a tensão que a recordação provoca. Lágrimas de privações, de saudade e de contentamento.
E Amália continuava enaltecendo Deus que lhe deu luz aos olhos, que perfumou as rosas, deu oiro ao sol e prata ao luar, pôs as estrelas no céu e fez o espaço sem fim e deu luto às andorinhas e deu-lhe uma voz sublime para cantar as tristezas e as alegrias de uma vida recheada de emoções. Um fado!
Neste Natal, neste mês onde todos recordam alguma coisa, os portugueses podem recordar a entrega de Macau à China. Corria o ano de 1999, quase a passar para o novo século, devolvemos a jóia do Oriente que conservámos durante 450 anos, a única que não conquistámos ou ocupámos, mas que nos foi oferecida pelos bons serviços que prestámos à China defendendo-a dos ataques dos piratas que assolavam as suas costas. Outros tempos!
Não foi uma prenda de Natal para os chineses porque eles não celebram esta época com a mesma intensidade que os ocidentais embora existam na China alguns milhões de católicos, mas bem podia ser entendida como tal, pois nesta quadra oferecem-se prendas com algum simbolismo. Mas talvez por isso mesmo, eles tenham visto em Portugal o país dourado que tanto ambicionavam e resolveram vir até cá para usufruir do que não têm lá, pelo menos do sol radioso que ilumina a nossa terra. Trouxeram no mínimo, a vontade de nos iluminar diariamente, embora tenhamos que retribuir essa amabilidade! Nada que se compare com o luar de prata que nos chega gratuitamente! E se Deus deu a prata ao luar, como cantava Amália, eles deram-nos a luz em troca de … Macau!
Claro que não se vivenciam aqui saudosismos, mas tão somente factos que nesta quadra nos vêm à memória e marcam tempos que muitos recordarão certamente, até porque por lá andaram e lá desempenharam mesmo funções importantes. Terras do sol nascente!
O sol por lá continuará a nascer e cá chegará sempre, num constante girar deste planeta que nos suporta, acompanhado da eterna companheira que vai servindo de intermediária para nos dar a belíssima luz prateada dando razão ao poema que a saudosa Amália nos cantava!
É assim o Natal. Tempo de saudade, alegria e recordações! E hoje, que os tempos não são tão propícios a serem bafejados pela luz solar, pelo menos que o luar de prata nos vá chegando, nem que seja por entre as nuvens maliciosas que se entrepõem lá no alto, aos desígnios de um Deus maior!