Chrys Chrystello
Luciano Pereira e Nuno Pinto do Souto apreciam a ChhrónicaCores I, de 2009
Chrys CHRYSTELLO convidou-me para fazer a apresentação desta sua obra, CHRÓNICAÇORES: uma circum-navegação.
CRÓNICA 507
Chrys CHRYSTELLO convidou-me para fazer a apresentação desta sua obra, CHRÓNICAÇORES: uma circum-navegação.
A amizade que temos vindo a cultivar desde as primeiras edições dos encontros da lusofonia não me permitia esquivar a este amável e honroso convite, embora considere que o presente ritual merecia um outro oficiante bem mais experiente, bem mais culto e bem mais sábio do que eu. Falo de experiência, de cultura e de sabedoria porque são estas as caraterísticas que mais se destacam desta obra irreverente e provocatória. O título é o seu primeiro embuste. Crónicas existem nela, como núcleos narrativos de onde irradiam os mais secretos mecanismos de construção de uma ou várias identidades.
A circum-navegação relatada nesta obra é, de facto, um périplo pelo mundo em que o indivíduo se vai explicitando perante si e perante os outros. A representação da viagem efetuada, em particular sempre para Oriente, assemelha-se ao voo da Fénix em busca da sua origem, onde se imola e renasce para outros voos e para outras vidas. Na distância J.C. experimentou a saudade das origens, as míticas, e as sonhadas, tal como sempre sentira um apelo pelo desconhecido ou simplesmente pelo destino. As terras, as gentes, os costumes e as tradições são o pretexto para falar da sede de conhecer e de saber. As análises políticas e sociais são pretextos para desenhar uma mítica sociedade de justiça e de paz. O doloroso afastamento da Pátria ou da Mátria, também não é mais do que um pretexto para construir uma identidade lusófona, sem raças, sem credos e sem nacionalidades.
Neste momento, já todos percebemos que não estamos perante um mero conjunto de crónicas de viagens, mas de uma autobiografia escrita na terceira pessoa. “J.C.” Quando nos confrontamos com uma autobiografia não podemos deixar de nos lembrar de Santo Agostinho e de Rousseau e das suas confissões. No primeiro lembramo-nos da intervenção da graça divina na vida de um simples pecador para testemunhar do sagrado poder de Deus. No segundo, lembramo-nos que todo o indivíduo se explica pela sua história e em particular pela sua infância, tornando assim o género uma versão individual e realista do mito das origens.
Tal como qualquer texto autobiográfico, a presente obra alimenta-se de uma multiplicidade de discursos. O indivíduo constrói-se na confluência de todos os textos lidos e de todos os textos escritos. Confrontamo-nos com uma diversidade textual quase estonteante, de textos enciclopédicos, passamos para o registo poético. Do texto poético migramos para as explicações históricas, e das explicações históricas para as teorias científicas. O encanto do texto autobiográfico é que permite contextualizar a produção das obras do próprio autor. O seu encanto reside também na verdade que nos é revelada. E essa verdade é, sempre e apenas, a verdade de um presente que corresponde à construção da imagem de uma vida. Quanto ao passado, se existem vidas que dariam verdadeiros romances, sem tirar nem pôr, esta é seguramente uma delas.
As obras biográficas costumam apresentar a vida de alguém que se tenha notabilizado por qualquer razão. As obras literárias autobiográficas costumam apresentar alguém de forma notável. Esta apresenta alguém de notável nem que fosse apenas pela forma como o faz. Estamos perante a notável construção de um anti-herói, com um certo distanciamento, com um certo sentido crítico, com alguma graça e bastante humor. A presente autobiografia não se limita a recontar os eventos de uma vida mas, como qualquer biografia literária, recria-a.
A verdade é que o narrador cria e recria J.C. ao seu gosto e ao seu belo prazer. (Ou terá sido a própria vida a fazê-lo?) O maior fascínio desta obra deriva do facto de funcionar como uma caixa onde estão guardadas muitas e diversas outras obras. Inscrevendo-se no universo da literatura de viagens, é uma autobiografia onde o “eu” é um “ele”, herói e anti-herói de uma nova e renovada epopeia emigrante. O biógrafo faz uso de uma multiplicidade de materiais para ser leal à verdade ou para reforçar a verosimilhança donde se destacam as suas próprias obras (especialmente notas e crónicas de viagens).
Em muitos passos da obra julguei ouvir a voz do Chrys. Desde que tive a sorte de com ele privar, sempre no contexto dos Encontros e dos Colóquios da Lusofonia, que me habituei a ouvir as suas histórias e os seus sonhos. Com ele partilho a mesma inquietação de ser e de estar, também eu descendo da linhagem dos Pereiras, sei que me corre sangue semita nas veias, como ele tive uma professora que se chamava Dona Júlia, quis o destino que cedo vivesse a experiência da emigração, que me apaixonasse pela nossa diáspora e que construísse uma identidade lusófona na troca de palavras e afagos. Pisei chão que ele pisou no oriente e um dia lembrei-me de lhe falar dos Açores. Hoje, Chrys ensina-me os Açores. Por todas as emoções vividas e partilhadas, obrigado!
LUCIANO PEREIRA
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O teu livro
Acabei agora de o ler. E sinto que devo escrever algumas palavras para expressar a minha opinião. De início, a linda descrição das ilhas recordou-me A Cidade e as Serras do saudoso Eça.
Depois, fui tratado com uma excelente e bem documentada análise da história inicial e recente do arquipélago, que muito me elucidou: desconhecia a maior parte. Fui levado então ao Nordeste do país, de onde também os meus avoengos são originários: cristãos-novos de Bragança. Adorei os detalhes e a história de tantas aldeias que nunca conheci, mas de que ouvia falar. E algumas descrições tocaram perto, principalmente do ambiente estudantil e universitário. Foi o mesmo para muitos, pelos vistos.
Passei depois a conhecer detalhes sobre a "colonização" de Macau que já suspeitava mas nunca tinha podido confirmar. Foi ótimo verificar que a ganância dos "colonizadores" afinal não mudou muito do outro lado do mundo...
E finalmente, aprendi mais detalhes do que alguma vez esperei sobre o único colonizador de Timor verdadeiramente digno desse nome: Celestino da Silva.
Foi um dos guias da acção colonial do meu pai, também um administrador de longa data: ainda hoje se pode ver efeitos da obra dele em Moçambique, no Google earth. Tentou também fazer diferença em Timor mas não foi tão bem sucedido. Pelo menos conseguiu evitar a invasão de Timor pela Indonésia, quase levada a efeito em 66-67 aquando das loucuras do governador José Alberty Correia. Ameaçou-o de prisão, quando descobriu que queria "invadir" Atambua: estavam só 60000 paraquedistas em Jacarta, à espera que alguém lhes desse um motivo para intervirem...
E claro, mais uma vez confirmei aquilo que já sabia desde os tempos de colega de turma de liceu: ao Ramos Horta, não se dá nem um palito de confiança. Por vezes pergunto-me se procedi bem quando impedi o José Rocha de o matar em Sydney, quando descobriu que o RH tinha estado a tentar encontrar-se com a filha dele - então uma menor. Ri-me bastante quando soube que o RH estava acompanhado de uma sobrinha menor quando foi alvejado de manhã à porta da sua casa em Díli: "sobrinha menor", é? Pois, pois: pelos mesmos! Raramente me é dada a oportunidade de ler algo na minha língua materna que me prende a um só livro: o normal é ler dois ou três ao mesmo tempo. Este capturou-me e levou-me nas asas da imaginação e da memória como raros têm feito até hoje. Lamentei ter chegado ao fim. Bem hajas. Cheers
- Nuno Souto [email protected]
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