Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Madame Josephine: casamento em Alvites (VII - Cap.)


- Comissário: o Dr. José Martins chegou. - anunciava o Imediato.

- Mande-o entrar para a biblioteca, se faz o favor. – e, dirigindo-se às senhoras que permaneciam no salão de jantar, pediu licença para se retirar. Esta conversa convinha ser em privado.

- Boa tarde, Doutor! Bons olhos o vejam!

- Boa tarde, Comissário! Não posso dizer o mesmo.

- Ora essa?! Não me diga que é parte envolvida no crime do Senhor Filipe?

- Nada disso. Mas quando me manda chamar, é sinal de que o caso é de gravidade extrema.

- Acertou em cheio! Tenho aqui umas dúvidas que pretendo ver esclarecidas. - colocou os medicamentos em cima da secretária – Pode dizer-me para que serve cada medicamento?

O médico analisou cada um e deu uma gargalhada, tendo baralhado o Comissário.

- Qual é o caso, para lhe achar tanta graça?

- São os medicamentos do Senhor Filipe. Passava a vida no consultório, inventando maleitas, e não saía de lá sem uma receita. Então, eu passava-lhe coisas leves, inócuas, porque o mal dele era hipocondria, outra doença eu não lhe conhecia.

- Já agora, destes medicamentos, quais são para tomar depois do jantar?

- Estes dois aqui.

- Se forem ingeridos com álcool, podem provocar algo de grave?

- Os medicamentos são para serem ingeridos com água, mas nós bem sabemos que o Senhor Filipe lhe tinha repulsa. Então, decidi prescrever medicação demasiado fraca, do tipo placebo.

- Estou a compreender. – o Comissário verteu umas gotas do frasquinho de Judite para cima de um pires e deu a cheirar ao médico.

- Isto cheira-me a ovos podres, logo é enxofre; e a um outro produto químico que de momento não consigo identificar. Como sabe, o enxofre não se dilui bem em água, é necessário…

- Acha que este cocktail de venenos, se ingerido, pode ser letal?

- Depende da quantidade usada. Deixe ver o frasco. Este frasco é de um medicamento que receitei recentemente à Senhora…

- À Senhora Judite, será?

O Doutor não disse uma palavra, mas, pela expressão facial, deu para perceber que sim.

- Da minha parte está dispensado, Doutor.

Poucos minutos depois, bateu à porta o Imediato, dizendo que estava ali o Joaquim da ti Marquinhas de Mascarenhas. Mandou-o entrar.

- Boa tarde, Senhor Comissário!

- Boa tarde, Joaquim. Sente-se, se faz o favor.

- Sei que esteve aqui no solar, ontem à noite, servindo as bebidas.

- Sim, estive.

- Quem o contratou?

- Ninguém. Vim cá trazer uma grande encomenda e ofereci-me para ajudar.

Batendo à porta, Josephine anunciou a entrada.

- Entre Josephine. Talvez me possa ajudar.

- Então o cavalheiro é o Joaquim da Ti Marquinhas. É como diz: sou filho da Ti Marquinhas. O seu solar é um bom cliente da nossa mercearia.

- Ao que sei, ao lado da mercearia, têm uma taberna?

- Temos sim, minha Senhora.

- Também sei que fazem lá jogos a dinheiro, para os homens se entreterem.

- Sim, minha Senhora.

- O meu cunhado Filipe é vosso cliente habitual, não é assim?

- É sim. Vai lá muito.

- E costuma ganhar ou perder dinheiro?

- Umas vezes ganha, outras perde…

- Mas para que lado a coisa pende mais?

- Perde muito dinheiro.

- E quem lhe cobre as perdas para ele continuar a jogar?

- É a minha mãe. Ele empenha o relógio de bolso, anéis, fios de ouro - só falta deixar os sapatos! Depois, arranja dinheiro e vai lá buscar tudo.

- Neste momento, tem dívidas ou bens penhorados?

- Tem sim, minha Senhora, um calote que nunca mais acaba.

- E por acaso passou-lhe pela cabeça matar o meu cunhado?

- Deus me livre, minha Senhora. O que a minha mãezinha faz é mandar recado à Senhora Dione, dizendo o que se passa. Depois, a sua irmã vai pagando aos poucos. Às vezes, a dívida torna-se numa calamidade e ele não para de jogar. É o vício…

- Quem são os parceiros de jogo?

- Gente de várias aldeias, que já o conhece. Enquanto está sóbrio, até joga bem. O mal está quando começa a beber. É só perder dinheiro, a cabeça e a compostura.

- Lembra-se de, no final do jantar, alguém lhe dar uma indicação precisa?

- De que género, minha Senhora?

- Leve esta taça de vinho ao Senhor ou Senhora Xis.

- Por acaso, sim. Lembro-me de uma Senhora - elegantemente vestida de preto e com uma bolsinha distinta na mão - me dizer para levar uma taça de vinho ao Senhor José Carlos.

- E deu-lha?

- Não consegui. O Senhor Filipe deitou-lhe a mão e bebeu-a.

- Da minha parte, Comissário, não tenho mais perguntas.

- Pode retirar-se, Joaquim. – ordenou o Comissário.

Dali por dois dias, chegou o resultado da autópsia. Foi conclusivo. A causa da morte fora envenenamento por enxofre e herbicida. O Comissário, com os resultados na mão, foi num instante ao solar de Josephine, para lhe comunicar que a irmã estava ilibada, mas que teriam de ouvir Judite.

Judite, confrontada com as provas, confessou que o veneno era para José Carlos, mas que não sabia como fora parar às mãos de Filipe. Estava num pranto por ter matado o amante. O Comissário mandou detê-la.

O marido de Judite teve uma crise de ansiedade e, por fim, suicidou-se. Não aguentou o vexame familiar.

Seguiram-se as exéquias fúnebres de Filipe num misto de dor e alívio. “Acabaram-se as dívidas e as traições.” – pensou Dione.

José Carlos prometeu a Josephine, antes dela regressar a Paris, cuidar de Dione e dos filhos, assim ela aceitasse.

Gabriel aguardou pacientemente que o luto fosse aliviado para começar a namorar Cecília, com o consentimento de toda a família. Marcaram o casamento para dali a um ano.

A tia Celestinha - senhora viúva, sem filhos e abastada - prometera ajudar os sobrinhos. Ofereceu uma casa senhorial à Cecília e outra ao Silvestre, assim como dinheiro para começarem a vida. Ficara impressionada com a notícia de que haviam montado uma confeitaria de compota caseira e que o negócio prosperava.

Dione resolveu aceitar a corte de José Carlos. Discretos, viviam momentos que tinham ido resgatar ao passado, momentos de grande felicidade e cumplicidade, momentos em que o amor era rei reinante de um só reino. Um mal-entendido, que nunca se soube bem por quem fora causado, afastou-os. Foi depois disso que conheceu Filipe. Agora, era tempo de apagar essas questões, dar uma nova oportunidade ao amor e vivê-lo em toda a plenitude.

Josephine viera ao casamento acompanhada pelo seu amor Antoine. Vinha deslumbrante, como sempre. Vestidos da última moda, decotes exuberantes, joias a completar a toilette…. Pouco se importava que a sua excentricidade fosse notada. Como bem dizia: não devo nada a ninguém, a não ser a mim mesma. Quero viver em harmonia com a minha consciência, e o resto que se dane.

Silvestre acompanhou a irmã ao altar, onde a esperava o noivo, o padre e toda a gente. Era a noiva mais elegante e delicada que Alvites já vira. Os olhos de Gabriel inundaram-se de brilho e lágrimas ao ver o sonho tornar-se realidade.

Quando disseram o sim, trocaram as alianças e o beijo mais esperado surgiu para contentamento dos presentes. O Padre Rodrigues fez uma excelente celebração. Costumava dizer que casais por ele casados dificilmente se separavam. Pois bem: que este casamento dure, dure muito, e que os noivos saibam alimentar diariamente o amor. O amor precisa de alimento como o ser humano de pão para a boca; de reinventar-se para não cair na rotina; de respeito, cumplicidade e sobretudo de honestidade.

Chegou o momento de atirar o ramo de noiva às jovens solteiras. Para surpresa de todas, quem o apanhou foi Helena. Ficou atónita durante breves instantes. Depois, com o olhar, procurou o comissário Medeiros, que lhe tinha soltado um beijo de longe.

Isabel e Augusta estavam acompanhadas pelos respetivos maridos, transbordando felicidade.

Quanto à tia Celestinha, pedira desculpas pela ausência. Estava em viagem ao Egipto. O melhor que lhe podiam dar era poder viajar e conversar animadamente com os amigos.

Josephine e Antoine, de mãos dadas, não se coibiam de trocar carícias. Este casal transpirava amor, ternura, cumplicidade e respeito. Retiraram-se e foram dar um passeio pelas redondezas no seu carro descapotável.

F  I  M



© 𝑻𝒆𝒓𝒆𝒔𝒂 𝒅𝒐 𝑨𝒎𝒑𝒂𝒓𝒐 𝑭𝒆𝒓𝒓𝒆𝒊𝒓𝒂, 03-08-2023

      𝑵𝒂𝒕𝒖𝒓𝒂𝒍 𝒅𝒆 𝑻𝒐𝒓𝒓𝒆 𝒅𝒆 𝑫𝒐𝒏𝒂 𝑪𝒉𝒂𝒎𝒂,
      𝑴𝒊𝒓𝒂𝒏𝒅𝒆𝒍𝒂, 𝑩𝒓𝒂𝒈𝒂𝒏ç𝒂, 𝑷𝒐𝒓𝒕𝒖𝒈𝒂𝒍. 

Este texto é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. 


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