João Carlos Brito

João Carlos Brito

Malandrices de Carnaval

As expressões regionais mais picantes da língua portuguesa

E porque está aí o Carnaval, um apanhado das expressões regionais mais picantes da língua portuguesa. Umas são mesmo “marotas”, outras enganam bem… Não era fácil fazer um “Top 7”. Admito, claro, reações e discordâncias. De toda a forma, com confinamento, com muitas restrições, bom Carnaval!

 

  1. Guilhar (Trás-os-Montes)

Ter relações sexuais

Poucos atos terão tantas e tão variadas expressões como o referente às relações sexuais. Os transmontanos não são exceção e com muita imaginação e criatividade foram formando dezenas ou centenas de palavras. Para todos os gostos, desde os mais atrevidos aos mais pudicos. Mas uma das melhores, sem dúvida, é o verbo guilhar, sendo, ainda, bastante frequente em falantes de muitas regiões de Trás-os-Montes.

A palavra vem de guilho, que é um espigão do rodízio de um moinho de água. Pode ser também uma cunha de ferro para rachar cantaria. Ou seja, em ambas as situações é um objeto de formato fálico que se destina a encaixar de forma violenta e ritmada num outro determinado objeto. É só fazer a analogia visual e sonora e… temos a criação do génio popular!

 

2. Lambe-cricas (Minho, Porto)

Indivíduo de carácter fraco | Cão pequeno

É um dos insultos mais vulgares e ouvidos quando a intenção é criticar a fraqueza de espírito de um homem. Em termos objetivos, “crica” designa o órgão sexual feminino, palavra que vem do grego kríkos, que quer dizer “anel”. A associação é óbvia, pelo formato. Aliás, cricoide designa um objeto de formato circular. Ainda no calão, um cricas é um chulo e uma cricalha é uma lambisgoia, uma sirigaita.

Logo, o que lambe a crica é o que pratica sexo oral à mulher, tendo por princípio de que lambe-cricas terá de ser um homem, no marcado machismo que caracteriza a linguagem. Hoje, nem é mal visto socialmente, mas, em tempos idos, era um ato recriminável praticado por um homem que não conseguia consumar o ato (copular) “à homem”. Por isso, era tido como um homem menor, de carácter fraco, um “banana”.

Também é frequente chamar a um cão de pequeno porte lambe-cricas. As possibilidades são várias. A primeira, mais fiável, é a de estes cães, por serem pequenos, não conseguirem ter relações sexuais com fêmeas maiores, limitando-se, por isso, ao tal ato de lamber. Outra, que será mais um mito, é a de que as senhoras da alta sociedade se serviriam dos seus caniches para sua própria satisfação…

 

3. Apichar (Beiras)

Avivar o lume | Provocar

Apesar de a sonoridade poder levar para outros campos, “apichar”, para um beirão, é simplesmente “avivar o lume” ou “atear o fogo”. O verbo continua bem vivo, principalmente entre as gentes da Beira Baixa, e é um dos termos que melhor define um falante do distrito de Castelo Branco.

No sentido literal, “apichar” é, como o próprio nome indica, “aplicar piche”, que é uma substância altamente inflamável, produto da destilação do alcatrão ou da terebentina. Utiliza-se para revestir o piso das estradas, por exemplo. Normalmente associado ao piche está um cheiro forte a queimado, a chamuscado, e poderá ter sido esta particularidade a induzir à utilização do verbo apichar como sinónimo de avivar o fogo. É mais provável esta proveniência do que “pichel”, de “picheleiro”, pois embora este também possa ser conhecido como soldador, alguém que na sua profissão também lida constantemente com o fogo e com altas temperaturas, o pichel, por si só, é um objeto, uma vasilha, que alude muito mais ao líquido (à água) do que ao fogo.

 

4. Acoinar (Algarve)

Varrer

É uma pena que certas palavras se percam e sejam substituídas pelos sinónimos mais correntes, mercê da padronização da língua, que é, com a influência dos meios de comunicação, cada vez mais igual em todos os pontos do país. Um dos termos que só resiste nos mais antigos é o verbo “acoinar”, que significa “varrer”.

Assim, um “coino” ou “acoinadeira” (os algarvios pronunciam “acoinadêra”) é uma vassoura, mas não uma vassoura qualquer, esta tinha uma função muito específica. O coino era feito com ramos secos de certas plantas e destinava-se a limpar o trigo nas eiras, nomeadamente a acondicionar as palhas mais grossas do referido cereal em monte.

É uma palavra interessante e até divertida, pois a forma como se escreve e como se pronuncia remete o imaginário popular para outras realidades. Basta pensar no Ti Balecas a pedir a vassoura à esposa: “Ó Maria, dá-me aí o coino!”.

 

5. Caralhota (Ribatejo)

Borboto | Pão de Almeirim

Por “caralhota”, no seu sentido primário, devemos entender “capa para o órgão sexual masculino”, seja lá o que isso quer dizer… Não é disso que estamos a falar (nem das ameixas compridas e oblongas das Beiras, que também têm esse epíteto), mas sim do célebre pão de Almeirim, as saborosas bolas de pão caseiro, cozidas em forno de lenha, e que são uma marca tradicional e turística do concelho.

O nome vem de um outro regionalismo ribatejano, já que “caralhotas” é o nome dado aos borbotos das camisolas, isto é, os pequenos tufos que se formam à superfície dos tecidos de lã. Como os restos que ficavam nos alguidares de barro onde era preparada a massa do pão faziam lembrar os borbotos, as gentes de Almeirim atribuíram-lhe essa designação. São pequenos pães feitos a partir desses restos, uma tradição que vem de tempos de grande privação, em que tudo tinha de ser aproveitado.

 

6. Chupão (Beiras, Trás-os-Montes)

Chaminé de cozinha

Nas Beiras um chupão também é o resultado visível no pescoço dele ou dela, depois de uma noite de atividade intensa. Mas, por estes lados, quando alguém o pronuncia, também pode estar a referir-se à chaminé da cozinha.

A palavra vem de Espanha e entra em Portugal pelo Nordeste transmontano, antes de chegar aos falantes da Beira Alta. Indica não a chaminé exterior mas o orifício interior da antiga cozinha por onde o fumo da lareira saía, ou seja, por onde era chupado. O termo mantém-se com o mesmo significado na Beira Baixa, mas já em alguns locais com o sentido geral de chaminé (exterior), sendo que, quer no Alentejo quer no Algarve, também existe o regionalismo “chupão”, mas reportando-se a chaminé e não, como inicialmente, chaminé de cozinha. É uma palavra em que a ação do falante, sem alterar o significado geral, adulterou ligeiramente o objeto a que diz respeito.

 

7. Blicas fritas com molho de naião (Açores)

Especialidade gastronómica de São Miguel

Se for à maior ilha dos Açores, não perca a oportunidade de provar uma das melhores iguarias locais: as famosas blicas fritas com molho de naião. Aliás, os açorianos não se cansam de recomendar o prato a quem está de visita.

Se leu até aqui, ainda bem para si, porque vai, de uma vez por todas, descobrir a verdade. É que não é mentira que os açorianos as recomendam aos forasteiros, mas é tudo na brincadeira! Na realidade, o que estão a dizer é que vá a um restaurante e encomende “pénis fritos com molho de homossexual”. “Belica” (como deve escrever-se) é o membro viril do menino e poderá resultar de bélica, de “guerra” e da comparação com arma. Naião será uma caricatura para um homem com fortes tendências femininas, pois virá de naia (ou náiade), uma ninfa da mitologia.

Pronto, já sabe. Não caia na esparrela de pedir as coisas fritas em público. Com ou sem molho.

João Carlos Brito

Professor, linguista, escritor.


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