Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Memórias de comboios

CRÓNICA 205 MEMÓRIAS DE COMBOIOS 17.7.2018 (ADAPTADO DE livro ChrónicAçores uma circum-navegação vol. 1)

 

 há mais de dez anos (textos de 2006-07) escrevi...

Para não perdermos o comboio da Europa vamos ter um TGV, mas já perdemos os comboios todos que diariamente são arrancados dos carris e substituídos por TIR nas nossas estradas, para que sejamos o país da Europa com mais mortos na estrada que em qualquer guerra civil.

Qual comboio, quando a saúde, a educação, a justiça são o que são?

Quando as famílias portuguesas vivem miseravelmente com um nível de vida e uma qualidade de vida inferior aos dos chamados países de leste e em vez de se investir nessa melhoria vamos investir em mais elefantes brancos e obras faraónicas.

Para quê? Para mostrar aos outros que somos os maiores e os melhores.

Para eles verem da janela do TGV as fachadas degradadas de milhares de prédios onde vive gente sem qualidade de vida ou de casa, e as barracas que ciclicamente as Câmaras anunciam que vão demolir?

Para verem naquilo em que tornaram o Algarve, uma enorme construção LEGO de cimento, rodeada de campos de golfe para os nossos 9 milhões de praticantes da modalidade, que consomem a água do Alqueva que afinal não serviu para a rega?

Para verem os nossos campos agrícolas abandonados como eu os vi no distrito de Bragança?

Para verem as filas de autocarro (as maiores e mais lentas da Europa), as filas para o médico, para isto e para aquilo?

Para verem os nossos estádios de futebol vazios de gente, com jogadores que não recebem salário enquanto os seus presidentes enriquecem?

Para verem os nossos museus fechados quando as pessoas podiam ter disponibilidade para os visitar? (afinal para que servem os museus se temos os melhores Shoppings da Europa e onde todos vão nos dias feriados e fins de semana?)

Será que do TGV se conseguem ver as listas de espera dos hospitais, e as dos tribunais? Um país de falidos em que todos têm dinheiro para ir ao Brasil de férias...

Ainda bem que foram os portugueses quem “descobriu” o Brasil. Imaginem que se fossem os espanhóis ou os ingleses não havia índios como eles fizeram na América do Sul e na Austrália aos aborígenes.

Mas que país é este de fama machista e recheado de pedófilos?

 

Mas com tanto betão a mexer-se para os lados da Ota e com a velocidade do TGV quase ninguém se apercebeu de que os últimos exemplares do comboio Foguete dos anos 50 e 60 estão a apodrecer de vez em Elvas porque não há dinheiro para os recuperar.

 

Como as linhas todas para o interior vão desaparecendo, seguindo a lógica racional e pragmática de que os velhos não contam nem votam, o melhor é acabar com todos os serviços no interior do país para que todos tenham a possibilidade de desfrutarem do ótimo clima à beira-mar plantado e se mudem, de vez, para a costa.

 

Aliás nos últimos anos a Europa já nos ensinou que a agricultura portuguesa não dá nada e o melhor é importar tudo de Espanha pois lá é que eles sabem fazer agricultura a sério.

 

Como agora vão acabar com as escolas, maternidades, e outros serviços no interior, fica mais barato mudá-los todos (aos habitantes) para a cidade pois aí terão todos um nível económico uma qualidade de vida mais elevada do que se continuassem a viver em aldeias feitas de casas de pedra sem condições, para onde a energia elétrica custa milhares a ser transportada, mais as linhas de telefone fixo, mais o saneamento e o abastecimento de água, pois que tudo isto já existe nas cidades e no litoral, vê-se aqui a pertinência desta lógica.

 

Na Austrália vi uma reconstrução das cidades (Ballarat e Bendigo, Estado de Vitória) onde havia os garimpeiros, e até as tendas imundas e pobres dos chineses eles reconstruíram.

 

 O ouro foi descoberto em 1851 em Poverty Point (Ponto da Pobreza) no ribeiro Canadian. No ano seguinte havia mais de 20 000 pessoas a escavarem os campos de ouro (Ballarat Goldfields). Em 1855 havia 19 000 Chineses na colónia de Vitória e dois anos mais tarde já existiam 26 000 odiados e perseguidos pelos colonos brancos.

 Levei lá a minha filha para aprender um pouco da história australiana, numa das vezes que me fora visitar a Melbourne. Depois de conduzir o carro até perto do local, compramos o bilhete simbólico para sermos transportados numa linha de comboio centenária. Era mantida por um ex-maquinista que orgulhosamente conservava a circular a locomotiva e alguns vagões, sempre cheios de turistas em todas as épocas do ano.

Cobravam uma taxa simbólica suficiente para sustentar a linha desativada. Houvesse em Portugal gente com aquela visão para se manterem algumas das linhas mais belas do mundo como a do Tua, ou a Pocinho a Barca d’Alva...ou as linhas do Vouga, do Tâmega e outras que desapareceram pela estupidez dos governantes em Lisboa.

 Claro que na Austrália haviam dado (ao ex-maquinista) uma concessão de 25 anos – sem custos nem impostos - para manter a linha.

Ao longo de duas dezenas de quilómetros haviam-se desenvolvido algumas atividades paralelas, para além do belo parque natural numa das suas extremidades.

Todo o acampamento mineiro fora mantido, nos edifícios que estavam em pé, labutavam (ou fingiam labutar nessa recriação permanente douras eras) pessoas vestidas à época da febre do ouro, cozinhando “scones”, fazendo chá, trabalhando no jornal, numa tipografia da época, que ora se limitava a emitir certificados decalcados doutras eras com os nomes dos visitantes atuais.

Havia a prisão e as quintas, carros de bois, o render da guarda e tudo o mais numa constante recriação do que fora a vida na época. A filha e o pai jamais esqueceriam aquele mergulho na história do século XIX no estado australiano de Vitória.

 

Mas em Portugal, tudo era diferente. Poucos estavam interessados em recriar o passado histórico e as gloriosas máquinas de caminho-de-ferro a vapor. Ignoravam que a ferrovia por entre alcantiladas margens do Douro e seus afluentes percorria algumas das mais belas paisagens do mundo. Isto era um país indiferente, amante do lucro rápido e do cimento, a que chamam progresso, sem respeito pelo valor incomensurável do passado e da sua riqueza histórica e patrimonial. A grandeza da História nada representa. Assim se perdia a paisagem protegida por deus e pela natureza, como se perdiam os castelos, as igrejas, os pelourinhos, e tantos outros monumentos abandonados ou deixados à sua triste sina de decadência forçada aguardando que a natureza tomasse conta deles e os ocultasse. Seria um legado para arqueólogos futuros os descobrirem...

 

Anda o Estado a gastar dinheiro com estradas, sua manutenção, pontes, viadutos e túneis, para o interior quando toda a gente sabe que lá não vive ninguém (ou quase). Vai-se a qualquer aldeia e são só meia dúzia de velhos, e agora como as crianças são deslocadas para as cidades logo na escola primária, depois de verem o progresso urbano nunca mais querem regressar para aquele atraso e provincianismo da aldeia. Assim, é mesmo o mais lógico trazer os velhos para a cidade, pois, entretanto, eles morrem e nas terras deles ainda se poderá aproveitar para fazer uns campos de golfe que é um desporto de milhões de aficionados portugueses, e sempre dá mais dinheiro do que plantar batatas, pois que como todos sabem há um excesso de produção da batata portuguesa.

 

Intriga-me, outra vez, imaginar porque é que isto não foi pensado há mais tempo e teríamos evitado todo este atraso, que como devem saber, é causado pelos fundos estruturais que ao longo de décadas se canalizaram para o interior profundo do país tentando romanticamente manter uma agricultura de subsistência à custa do sacrifício dos pobres agricultores iletrados que tinham de se levantar pelas 5 da manhã e trabalhavam até ao pôr-do-sol, quando toda a gente já sabia que se vivessem na cidade não precisavam de se esforçar tanto pois não vale a pena cultivar uma couve-galega só para se fazer o caldo verde.

 

Depois, tenha-se em consideração que a matança do porco e doutros animais está condenada pela sociedade e por todas as organizações ambientalistas por se tratar duma prática ancestral aberrante e que fere de morte a suscetibilidade e sensibilidade do animal, pois este deve ser morto nos matadouros devidamente licenciados para o fazerem nos moldes higiénicos e salutares propugnados pela União Europeia.

 

 O campo é bonito é para se passear nas férias e levar lá os putos para verem como se vivia antigamente, coisa que eles decerto nem vão acreditar, e sempre se aproveita para manter a tradição viva ao ensinarmos um pouco de história dos antepassados, coisa que é muito mais vantajosa do que ir a um museu, que como todos sabem estão sempre fechados nas férias, nos dias santos e aos fins de semana.

 

Em 1906 chegou o comboio a Bragança. O Espaço Museológico de Bragança fica situado no centro da cidade, na área da antiga estação ferroviária e ocupa a antiga cocheira de carruagens da que foi estação términos da linha do Tua. A exposição inclui diverso material ferroviário da Companhia Nacional e do Porto à Póvoa e Famalicão.

 

O comboio da Linha do Douro ia do Porto à Régua e ao Tua. Aqui mudava-se para outro comboio da Linha do Tua mais lento ainda ou uma automotora até ao Pocinho.... Os comboios dessa época eram a vapor, abastecidos a carvão, raramente excedendo os 20-40 km/h

 

Esta linha ferroviária fazia parte dum projeto ambicioso de caminho-de-ferro até Zamora, Espanha, que nunca foi completado. Em setembro 1887 foi inaugurada a Linha do Tua (entre o Tua e a cidade de Mirandela), nove anos depois da apresentação dos projetos para a sua construção.

Em dezembro 1906, concluiu-se a extensão da linha até Bragança, num projeto que previa a ligação até Espanha que nunca se veio a concretizar.

 O seu traçado veio a prever depois uma ligação a Vinhais, sendo depois abandonado, seguindo o vale do Tuela ou o planalto entre o Tuela e o Rabaçal, mas a dureza deste traçado superaria o do próprio Baixo Tua onde a linha acabou por avançar.

Em meados de 1940, a Linha do Tua passa da CN - Companhia Nacional dos Caminhos de Ferro - para a gestão da CP que em 1992 encerra a circulação ferroviária no troço entre Mirandela e Bragança, numa extensão de cerca de 80 quilómetros, para em julho 1995 ser inaugurado o Metro de Mirandela, que possibilita a reabertura da linha entre a cidade e a localidade de Carvalhais.

Em abril 1910, o distinto bragançano Abílio Beça, um dos principais promotores da linha, morre trucidado por um comboio. Da estação do Tua (partilhada com a Linha do Douro) à estação de Bragança, a distância total é de 133,8 km.

A Linha do Douro avançava vinda do Porto com destino à fronteira com a Espanha, em Barca d'Alva. A Linha do Tua registou em 120 anos de exploração um único acidente mortal.

Desde que a construção da Barragem do Tua ganhou o apoio da EDP e do Governo somam-se 4 acidentes, lamentando-se a perda de 4 vidas que ensombram o futuro desta linha paradisíaca.

A linha está ameaçada pelos políticos e também pela construção duma nova barragem. Há quem suspeite de sabotagem, mas ninguém o diz.

A história da linha conta-se assim: em 22 de junho de 1882 a Câmara de Mirandela apresentou à Câmara dos Pares do Reino a aprovação do projeto de lei para a subvenção de 135 contos de réis, para cobrir a garantia de juro de 5% para a empresa que viesse a construir a Linha do Tua.

 Em 11 de janeiro de 1883, ano em que a Linha do Douro chegaria à estação do Tua, a Câmara de Mirandela apelou ao Rei D. Luís I para a aprovação da Linha do Tua, ato para o qual veio a contar com o apoio da Associação Comercial do Porto, que pretendia salvaguardar os seus interesses ao dar mais força ao Vale do Douro como via de transporte, em detrimento de vias mais a Sul, como Aveiro a Vilar Formoso.

Em 26 de abril de 1883, é lançado em Carta de Lei o concurso para a construção da Linha do Tua, ficando ao Conde da Foz adjudicada a obra; viria a trespassá-la à Companhia Nacional de Caminhos-de-Ferro (CN - cujo símbolo é ainda visível na estação de Bragança), em dezembro desse ano.

 O grupo que construiu a primeira fase da Linha do Tua (até Mirandela) foi o mesmo que veio a construir a Linha do Dão (Santa Comba Dão - Viseu), primeira via-férrea a chegar a Viseu, antes da Linha do Vouga.

Em 26 de maio de 1884 é confirmada a adjudicação da obra à CN, assinando-se o contrato definitivo em 30 de junho do mesmo ano. A 16 de outubro, a Linha do Tua começa a ser construída, a partir de Mirandela, rumo à Foz do Rio Tua. A obra teve nos seus primeiros quilómetros uma tarefa facilitada: inserida num vale aprazível e plano, até chegar ao estreitamento de Abreiro, apenas um túnel foi escavado (Frechas), além de esporádicas trincheiras e pontões, com uma única ponte metálica de pequenas dimensões no Cachão.

 No entanto, Abreiro tornou-se o prenúncio de uma das obras mais extraordinárias de sempre da engenharia portuguesa. Fruto das dificuldades do terreno, e de uma força de trabalho altamente conflituosa, o engenheiro responsável deixou o seu lugar vago, dando entrada a um dos mais notáveis engenheiros portugueses do século XIX, o engenheiro açoriano Dinis da Mota, que viria também a deixar a sua assinatura na Linha do Dão.

Com o pequeno prelúdio de Abreiro ultrapassado pelos primeiros grandes paredões de suporte e a maior ponte metálica até então necessária (destruída e substituída após cheias no Rio Tua no início do século XX), o Vale do Tua volta a dar tréguas, com algumas dificuldades que começam a ser cada vez mais contínuas. A partir da Brunheda, entra-se no Baixo Tua, e começa a fase mais épica da construção da Linha do Tua.

Em apenas 10 km, a partir da estação do Tua, foram necessários dois viadutos e uma ponte (Presas, Fragas Más e Paradela), e cinco túneis (Presas, Tralhariz, Fragas Más I e II, e Falcoeira) que totalizam uma distância de 456 metros. Estes, particularmente na zona das Fragas Más - garganta do vale formada por rochedos titânicos, foram conquistados à Natureza com métodos e homens tão temerários como os que ficavam presos por uma corda a uma plataforma elevada nas escarpas, baixados até à plataforma da via, onde acendiam o rastilho da dinamite e eram rapidamente subidos para a plataforma, antes de a encosta vomitar pedaços de rocha na explosão.

A 27 de setembro de 1887 a Linha do Tua era inaugurada, com a locomotiva E81 batizada Trás-os-Montes, e conduzida pelo próprio Dinis da Mota. Em Mirandela, a grande estação (a maior estação de via estreita portuguesa) acolhia entre muitas figuras ilustres, El-Rei D. Luís I. A 29 desse mês a linha era aberta à exploração.

O troço Carvalhais - Bragança encontra-se encerrado a todo o tráfego ferroviário desde 1992. Esta data está envolta em controvérsia, uma vez que em dezembro de 1991 se encerrou o troço Mirandela - Macedo de Cavaleiros, deixando o troço até Bragança isolado da rede ferroviária nacional.

 Poucos dias depois, um descarrilamento em Sortes veio ditar o encerramento do troço Macedo de Cavaleiros - Bragança, de forma indeterminada, finalmente confirmada em 1992.

A operação de encerramento definitivo do troço Mirandela - Bragança ocorreu durante a noite, sem aviso prévio, e simultaneamente em Bragança e Macedo de Cavaleiros. Foi registada a presença de forças policiais, tanto para evitar ao máximo o registo de imagens, como para afastar a população, que ao saber da operação acorreu às estações destas localidades.

 

Para evitar a possível recuperação desta via, todo o material circulante estacionado nestas foi retirado não por via ferroviária, mas via rodoviária. Foi relatado nessa noite um súbito corte nas telecomunicações. Devido a estes acontecimentos, o evento é recordado como A Noite do Roubo. Parte do trajeto da Linha do Tua encontra-se neste momento ameaçado de submersão pela albufeira prevista para a barragem do Tua. Se for concretizada a construção, será submersa parte da linha, deixando-a isolada da restante rede nacional ferroviária.

 

Doutra coisa estava, porém, certo: jamais esqueceria o cheiro a carvão e as fagulhas que saltavam da locomotiva nas muitas viagens que fez de comboio do Porto a Trás-os-Montes. Do Porto ao Tua e depois no ramal da Linha do Tua em direção a Bragança tinham de sair creio que na base da Serra de Bornes em Grijó (terra do Professor Adriano Moreira) antes de chegar a Macedo de Cavaleiros. O troço entre Mirandela e Bragança foi encerrado definitivamente no dia 15 de dezembro de 1991.

E é esse passado mítico que os modernos governantes estão a querer roubar-me, estão a violar a minha juventude e as minhas memórias perdidas e isso, isso jamais lhes perdoarei.

Cambada de novos-ricos, ignorantes e alarves. Juntemo-nos todos para salvar a linha do Tua que é minha e de todos os que amam esta região, única no mundo. É o nosso património que eles querem dilapidar. (nota posterior: de nada serviram os milhares de abaixo-assinados e petições, filmes, idas à Assembleia da República). A voragem capitalista da EDP e dos interesses das barragens tudo soterraram.)

Continuarei a pugnar por Trás-os-Montes e por Bragança como sempre tenho feito, serei sempre um filho emigrado da terra, mas o amor mátrio não se discute nem se define. É nessas terras a que ainda chamo minhas que pertenço e não é a idade nem a distância que vai fazer estremecer esses laços., mesmo no dia de hoje, bem triste pelo começo do enchimento da barragem do Tua, crime ambiental injustificado que sepultará mais uma obra-prima da natureza e centenas de anos de história.

Se um dia, o futuro vier, haverá quem julgue esses criminosos que autorizaram e levaram avante essa monstruosidade, mas para mim ficarão sempre retidas na memória as imagens das fagulhas do comboio a vapor que usava quando há sessenta e tais anos me deslocava a férias à terra de meus avós e minha mãe. Guardarei para sempre as imagens bucolicamente belas do Douro nesse percurso que é património imaterial e que hoje começam a afogar para uma barragem inútil, no que não passará nunca de mais um crime ambiental impune.


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