Magda Borges

Magda Borges

Meritocracia do voto

No "day after" das eleições surgem, naturalmente, muitas reações aos resultados, às eventuais surpresas ou ausência delas. Estas eleições Presidenciais não foram exceção.
É por demais óbvio que a tónica hoje se centrou no choque causado pelo resultado do Chega, na pessoa do seu candidato, André Ventura.

Na minha opinião o resultado foi ainda insuficiente. Insuficiente para se proceder ao que a nossa sociedade realmente necessita - uma profunda reflexão. Não vi hoje nenhum, repito nenhum, líder político, ou pessoa com responsabilidades do foro político a assumir a sua responsabilidade neste estado de coisas. A questão que todos devíamos estar a colocar é: como é possível que um partido como o Chega obtenha estes resultados? Este devia ter sido o mote dos sonhos da última noite dos políticos portugueses e de todos os cidadãos capazes de pensar a nossa sociedade. 

O Chega é um partido azedo. De escorraçados políticos. Tal como é o Bloco de Esquerda. Ambos emergem e ganham relevância política num quadro de não-progressão. Percebendo que não conseguiam alcançar objetivos dentro dos partidos em que militavam, saem ressabiados e fundam novos partidos. Ambos em timings diferentes, contudo em dinâmicas muito semelhantes e orientadas para posições radicais. Todos movidos pela ambição desmedida e pela esperteza que, aparentemente, tanto nos caracteriza. Existiam dois "nichos de mercado político" que não estavam devidamente acautelados em Portugal e foram ocupados por estes dois partidos, movidos por um discurso negativo, de raiva, de ódio, a destilar veneno contra tudo e contra todos. Chega e BE estão mais próximos do que o que podemos pensar. Por não me rever em nenhum deles, nos seus líderes, nem na sua profunda hipocrisia discursiva e de atuação, considero que se encontram no mais baixo patamar da política portuguesa. Vejo o Iniciativa Liberal noutro patamar e com outro perfil que, felizmente, não se enquadra neste miserável cenário.
Não obstante, por enquanto, ainda vivemos em Democracia e um voto no Chega vale tanto como outro qualquer. Não aprecio o Chega mas tenho que lhes reconhecer o mérito de terem conseguido conquistar quase 500.000 alarmantes votos.
Isto leva-me para o cerne da minha reflexão. 
Eu acredito na meritocracia. Talvez ela só exista no universo utópico de Sir Thomas More, mas considero que este deveria ser o móbil subjacente a grande parte dos nossos processos sociais. Evoluir profissionalmente por mérito, conquistar laços afetivos por mérito, crescer como pessoas por mérito. Apesar de a realidade ser diferente, não consigo ter qualquer respeito ou admiração por quem não pauta a sua existência por este pressuposto de base. Em política deve estar-se por mérito. E sim, os políticos têm que merecer os votos dos eleitores.
Ontem votei em branco. Fi-lo porque em consciência não poderia fazer de outra forma. Nenhum dos candidatos mereceu o meu voto. Por diferentes motivos, uns por clara falta de competência para o exercício do cargo, outros porque, apesar da competência, tinham obrigação de ter feito mais e melhor e não fizeram.
O discurso do voto útil já não convence. Já votei com base nisso, mas recuso-me a voltar a fazê-lo. Votamos neste ou naquele para evitar a ascenção do bicho papão. 
Não. Temos que ter os melhores. Temos que ser exigentes e ter nos boletins de voto aqueles que claramente encostam o bicho papão a um canto. 
Temos que colocar em funcionamento as instituições democráticas e exigir consequência na ação política. Os partidos têm que se limpar. Os deputados têm que mostrar o que valem. Sem politiquice. A fazer política. Aquela que defende os interesse da Res Publica e garante que se este modo de estar em política existir, não há bicho papão que ameace a democracia portuguesa. Votar útil, votar no menos mau, é apenas perpetuar esta cultura de elogio à mediocridade que prevalece em Portugal. É deixar que o status quo permaneça inalterado. É compactuar com mais do mesmo. E mais do mesmo é sempre mau. Há não muitas décadas atrás, apesar da potencial falibilidade de todos os sistemas e de todas as equipas, não existia esta ideia generalizada de que a impunidade é lei. De que a podridão é norma. De que nada funciona porque está tudo controlado por uma máquina invisível que serve interesses obscuros.
Um dia, se quem tem responsabilidades não fizer nada, vamos lamentar todo o tempo que passámos a ser coniventes com o medianismo. Com a incompetência. Com a falta de seriedade e de rigor. Porque é esta a realidade que permite a ventura do Chega. Não é a competência do André. É a habilidade para fazer jogar em seu favor situações que não deviam ocorrer. 
Não somos nós o povo que aplaude os espertos que se safam? Os que elogiam quem contorna? Quem parasita o sistema ao mais alto nível? Os finórios não são os nossos heróis? Pois aí está o resultado. Uns por ação, outros por inação, todos somos responsáveis pela ascenção do Chega. Quanto mais não seja por sermos tão pouco exigentes com quem nos representa e com quem tem o dever de trabalhar em prol da construção de uma sociedade mais equilibrada e de um futuro melhor para as próximas gerações.
Todos temos uma palavra a dizer. Cada um dentro da sua esfera de responsabilidades. As sociedades constrõem-se com a participação dos seus indivíduos.
Entretanto, deixo duas notas de esperança: nas escolas trabalhamos o respeito, a celebração da diversidade, a responsabilidade, o estímulo pela descoberta do Eu e do Outro. Acredito que ajudamos a formar cidadãos atentos e solidários. A segunda nota prende-se com o facto de estes movimentos serem, muitas vezes, efémeros, de modas. Veja-se o resultado desastroso da candidata do BE. Assim, tenho esperança que este susto sirva apenas para nos questionarmos e para nos repensarmos enquanto sociedade.
Entretanto, façam por merecer os nossos votos.         


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