O Douro sempre foi e é terra de muito trabalho. Não fossem as árduas tarefas, que lhe deram jeito e forma, e todos esses vinhedos plantados em patamares, que a muitos encantam, não existiriam granjeados como sendo jardins suspensos em louvor de quem sabe apreciar um excelente vinho e uma soberba paisagem.
Fraguedos e silvados seriam aos montes, num louvar a Deus e à natureza, na sua inicial forma, repetida desde que o mundo é mundo. Durante quase três séculos, foram necessários o não se temer as canículas e o não se acomodar ao borralho do lume aceso, para que se erguesse a obra imensa e bela que nos deleita e se aproveita.
Como em quase tudo, ninguém consegue obra que se veja sem que se conte com os préstimos dos outros, obtidos como ganha-pão ou a troco de amizade e de partilha de esforços. Sempre foi e continua a ser necessário rogar pessoal para as labutas na lavoura, pelo menos, quando a dimensão ou o que se há a fazer a isso obrigue.
No meus tempos de menino e moço, chamava-se a isso meter homens. Não que eles se adentrassem pela pessoa como remédio para maleita, ou se lhes desse acesso por via da porta aberta da casa ou das propriedades, mas antes tão somente para lhes dar trabalho durante algumas horas ou alguns dias.
Nas quintas propriamente ditas, que pela sua dimensão davam trabalho contínuo ao longo de todo o ano, rogar pessoal era coisa natural e obrigatoriamente feita, contando-se praticamente com os mesmos no repetir dos dias e das tarefas. A exceção acontecia na poda e na vindima, porque urgia o aumento exponencial de mãos e de braços para que as coisas acontecessem.
Nos outros casos, a maioria e de menor dimensão, meter homens era só às vezes e só em caso de necessidade inequívoca. Os campos e as vinhas eram alindados pelo dono com a ajuda dos filhos, em alguns casos ou, como disse, com o recurso a trabalhadores que disso faziam modo de vida.
Estes eram os residentes na própria aldeia ou vila, mas, não sendo estes em número suficiente, e havendo nas redondezas muitas bocas para alimentar e poucas terras para arar, era costume fazer-se o recrutamento nos arredores, nas regiões ainda mais pobres do que esta terra que é uma pobre região rica.
Pelo alvorecer, era vê-los já a caminho ou a chegar ao ponto onde os seus préstimos eram usados a troco de meia dúzia de reis de mel coado, como se costuma dizer. De um quase nada que se não podia recusar. Diariamente, quando a luz do dia se tornava mortiça, faziam a viagem de regresso ao lar, esgotados de forças despendidas na sua missão de agricultar.
Com os de perto, num modo de dizer, vizinhos, era tudo igual, com exceção das jornadas, nos caminhos repetidos da vida, entre as enxergas e as enxadas. Não caminhavam tanto, mas amarguravam de igual forma. Uns e outros, diariamente, ansiavam pelo privilégio, pela sorte, de serem rogados.
Sabiam-se injustiçados, mas aceitavam. Tudo era assim para que o mundo não tombasse, sabendo-se que a mudança era para quem pudesse ou ousasse, para quem sonhasse e se atrevesse a partir ou a comprar um pedaço de terra porque poupava ou porque herdava um pouco de chão. Ninguém queria nem quer cair no quintal do vizinho se morrer de pé.
Ser-se valente e forte era essencial. Ainda me lembro. Os homens, que tinham de vender o seu esforço, colocavam-se alinhados no largo da aldeia. Chegava o rogador, muitas vezes também rogado, ou o proprietário propriamente dito, olhava, escolhia e apontava.
A não ser que os humores do clima impedissem, havia trabalho a fazer por algumas horas ou por alguns dias para os escolhidos. O sustento ia sendo garantido, e a missão, de se ter “casa com alguns bens”, podia ir sendo alcançada num ciclo que não podia parar, porque o semear, o granjear e o colher, tinham de acontecer.
Metiam-se homens, mas também se metiam mulheres. Os trabalhos menos pesados, mas igualmente importantes, precisavam delas. Eram duros e pouco seguros, essenciais, mecânicos ou manuais. Ainda são. Basta ver tudo o que é feito antes de se comer e de se beber.