Henrique Ferreira
Morreu Eusébio. Morreu o símbolo do Portugal multiracial do Estado Novo
Morreu Eusébio, em 05/01/2014, véspera de dia dos Reis Magos. Tal como a morte de Amália Rodrigues, em 1999, a de Eusébio deixa-nos também a impossibilidade de uma substituição imediata do que ele representa no imaginário português.
Eusébio foi o símbolo com que o Estado Novo promoveu o fim da Lei do Indigenato colonial através da imagem e da ideologia do Estado Multiracial.
O Estado Novo queria provar que era possível uma sociedade de iguais, entre colonos e indígenas. Era uma ideia interessante que fez algum caminho e que podia ter feito muito mais não fossem os ventos da liberdade e da democracia política, a qual nunca vingará se não estiver associada à democracia económica e à democracia social.
Apesar de a realidade, no terreno, ser muito distante desse tal Estado Multiracial, O Estado Novo exportou a sua ideia para a África do Sul, onde De Klerck e Nelson Mandela a reconstruiram e sobre ela lançaram a construção de uma democracia.
Que representa Eusébio? As virtudes cardeais: a modéstia, a temperança, o amor, a determinação, a probidade, a força, a vontade, a autodeterminação.
Eusébio não era um homem comum, era um predestinado para o futebol. Com ele, o futebol começou a ser estudado como ciência (é paradoxal que ele fosse analfabeto) e como objeto de estudo sociológico.
Com Eusébio, o futebol deixou de ser apenas espetáculo lúdico. Passou a ser fenómeno de massas e fenómeno político de contenção e endoutrinação das massas.
Eusébio e Amália foram os fenómenos que permitiram a sobrevivência tardia do Estado Novo. Também porque transportavam consigo virtudes universais.
Perdidos Eusébio e Amália, faltam-nos os símbolos que deram força ideológica à identidade nacional. Resta-nos Cristiano Ronaldo, também ele vindo de fora, porque, dentro, já não há capacidade de gerar heróis.
Talvez Cristiano compreenda agora que ocupa um lugar no imaginário Português que requer muito mais que habilidade nos pés, um coração de leão e uma força de Hércules. Cristiano tem agora que cultivar as virtudes de Eusébio e, talvez, um dia, venha a ocupar-lhe o lugar. Portugal necessita disso. Pertence a um povo que vive de mitos e de ilusões e que não sabe viver sem eles.
Adeus, Eusébio da Silva Ferreira. Também tu foste o meu herói. Admirei-te como futebolista e como homem. Tudo o que digam de ti, a elogiar-te, será pouco.