Manuel Igreja

Manuel Igreja

Na prática, a teoria é sempre outra

Um certo tipo de pessoas deve ler e estudar muito. Não sei, mas tenho para mim que passam dias e dias em volta de matérias complicadas. Coisas que estão para além do alcance do comum dos mortais. Isto, para já nem falar na inteligência que devem possuir, para alcançarem certas conclusões. A sério!

Vem-me à ideia por exemplo, aquele senhor doutor ou engenheiro do FMI que ainda muito recentemente apregoou a sua opinião acerca dos caminhos que Portugal deve seguir e dos utensílios a socorrer-se para sair do atoleiro em que ele e mais os seus comparsas nos meteram.

Já sei. De imediato neste ponto alguém me responderia em conversação directa, que não, que quem nos atascou fomos nós mesmos, gulosos e inconscientes que andámos a gastar à tripa forra e muito para lá das nossas possibilidades. Está certo. Mas ainda um dia, daqui a uns anos, quando o pó assentar e os dados da História estiverem filtrados pelo saber do tempo, grande mestre da vida, alguém irá mostrar a quem beneficiou o aumento das nossas necessidades imediatas satisfeitas com o desperdiçar de recursos que bem podia ter sido utlizados em outros fins, que não os das vaidades vãs e dos quotidianos provincianos.

Mas volvendo ao dito que será douto em economias e finanças, ou não ocuparia então cargo de tão alto desígnio e de tanta influência no nosso modo de vida. Quer dizer, isto pelo menos dando de barato que o mundo não anda descarrilado ao ponto de se permitir que se coloquem sapateiros a tocar rabecão, nem profissionais que não tenham estaleca suficiente em funções tão elevadas. Digo eu, já nem sei.

Afirmou o homem que nos segura com rédea curta, antes que me perca, que para Portugal ser competitivo, nem deve equacionar a hipótese de aumentar os salários nem que seja o mínimo, e que deve estabelecer legislação laboral que possibilite os despedimentos a bel-prazer do capital, entre outras pérolas da insensibilidade e da insensatez, para não dizer outras coisas nada cristãs advindas do azedume que sempre surge quando sentimos que temos dentro de casa quem nela manda mais do que nós.

Eu por vezes também me puxa para matutar acerca do que me rodeia e mesmo sendo parcos os meus saberes, não resisto a dizer que o especialista em folhas de Excel a que aludo não conclui tudo o que há a concluir, ou porque não atingiu o ponto, ou porque achou que não era conveniente para a imagem e para a mensagem. Pode também dar-se o caso de considerar não ser ainda oportuno o expressar do resto dos considerandos. Vamos ver.

Por exemplo, porque não ir mais longe, e defender que nem seque deve haver salários e até mesmo horários de trabalho? Em cada empresa pode fazer-se uma cantina em que se servirão refeições com condoito necessariamente parco por causa das dietas, depois ao sair da jornada de trabalho pode dar-se um saquito com uns apeguilhos dentro para a refeição da noite, e no sábado vá lá, pode dar-se assim uns trocos, para a compra de uma ou outra extravagância ou lambareirisse para as criança que se pelam por essas coisas.

Não é para me gabar, mas podia estar aqui a escrever linhas e linhas com sugestões de medidas capazes de tornar o nosso país igual a outros em termos de mão-de-obra ao preço da uva mijona. Bastava ir ver como era a vida no tempo da revolução industrial, quase há duzentos anos, e pronto. Era só copiar. Mas não que não há espaço nem paciência, e quem lê tem muito mais que fazer, mais não seja ir passear o cão ou dar de comer aos passarinhos.

Atenção no entanto a um pormenor. Não se julgue que os figurões que defendem certas teorias em que se diz que é bom perder-se o emprego aos cinquenta anos porque é uma janela de oportunidade para outras experiências e outras coisas do género não sabem o que querem ou o que dizem. Sabem e de que maneira. Basta repararmos a título exemplificativo, que aos poucos se está a substituir uma ou duas gerações de trabalhadores com direitos e com deveres, por outra somente com deveres e a prazo a troco de muita força por pouco dinheiro.

É o nosso mundo a andar para trás depois termos atingido a mais elevada civilização tendo em conta que o bem-estar é o mais profundo desejo de quem quer que seja em qualquer era ou em qualquer lugar, em algo que não é por acaso, mas antes ao jeito de quem manda porque detém cada vez mais o poder sobre tudo e sobre todos, unicamente pelo facto de que o resultado da evolução técnica não aproveita de modo justo nem em prol da humanidade no seu todo.

Nada me custa acreditar que as tais pessoas que esturricam miolos a adquirir saberes fora de alcance comum baseiam as suas ideias em alicerces fundamentados. O problema, é que por vezes, na prática, a teoria é sempre outra e depois é o que todos sabemos.


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