Barroso da Fonte

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Nadir Afonso, astronauta da Pintura

Que era um dos mais renomados pintores da segunda metade do século XX já se sabia. Que ficou mais célebre como pintor cénico do que como arquiteto de formação também ele o reconhecia. Talvez o prédio da Panificadora de Vila Real não fosse destruído, há cerca de dois anos, se nessa altura se soubesse que o nome do arquiteto que o concebeu, em 1965, era Nadir Afonso.

É que dia 18 deste Dezembro chuvoso, a Transportadora Aérea Portuguesa (TAP) Air Portugal deliberou homenagear este Pintor Flaviense que faleceu com 93 anos de idade. Esta homenagem é uma espécie de pedrada no charco, porque os Transmontanos, em todos os ramos do saber, dão cartas. Desde que se coloquem as avaliações no mesmo plano e haja critérios isentos para a avaliação dos méritos a distinguir.

Sempre os urbanos beneficiaram das luzes da ribalta que bafejam aqueles em detrimento destes que, para chegarem à cidade, têm que levantar-se de noite para chegarem à hora certa onde os urbanos já estão. Com este argumento pretendo reavivar a memória daqueles que tratam os criativos da «província» como portugueses de segunda ou de terceira.

Nadir Afonso não terá sido galardoado com tão simbólico prémio, inscrito no focinho do novo avião da TAP AIRBUS A32Ineo CS.TJN, pelo facto de completar 99 anos, em 11 deste mês de Dezembro. Daqui a um ano estaremos todos a comemorar o I século do seu nascimento. E esperamos que o seu nome continue a ler-se no mesmo avião, pela certeza de que não houve, com esse transporte aéreo, qualquer incidente, nem o poder político teve o atrevimento de apeá-lo.

Noventa e três anos de vida ao serviço da arte cénica, a partir da Escola Superior de Belas Artes do Porto é muito tempo. Residiu em Paris, onde conviveu com renomados artistas. Experimentou o Brasil, mas regressou a Chaves, onde constituiu Família com a também Transmontana Laura Esteves Afonso. Tiveram dois filhos: Augusto e Artur. Ora em Lisboa, onde os quatro consolidaram as suas raízes formativas, ora em Chaves, para liderarem os dois pólos de arte cénica: o museu Nadir Afonso, em Chaves, em edifício nobre, da autoria do Arquiteto Siza Vieira, ora em Boticas, no Centro de arte Contemporânea. A região do Alto Tâmega, com estes dois sítios privilegiados em arte contemporânea, preenche um vazio que até agora era visível, num meio ruralizado, quase desértico e com um potencial turístico, numa fronteira riquíssima pela sua principal porta de entrada e de saída, da e para a Europa.

O poder democrático empobreceu, fatidicamente, esta importante fronteira Luso-Galaica ao matar a agricultura de subsistência; ao encerrar a linha férrea, sem contrapartidas; ao permitir a construção do maior índice de barragens, no concelho mais pobre distrito, ao vender, por umas cascas de alho as serras e os montes da Terra Fria que em meio século perdeu 25 mil habitantes. O concelho de Montalegre tinha, nos anos cinquenta, 30 mil almas. Os melhores vales e planuras foram submersos, a emigração levou todos os obreiros mais válidos, a guerra do ultramar foi o golpe de morte para a desertificação. As terras de Barroso ficaram depenadas, como descabelados estão os sobreviventes. Que continuam a servir-se pelos «carreiros» do Salazarismo mais duro e mais ingrato.

Na EN 103, entre, Braga - Montalegre - Boticas - Chaves -Vinhais - Bragança, nem um palmo foi corrigido nesses estradões, mais esfarrapados do que os trilhos africanos. Para a morte cerebral faltava o lítio que será - agora - a facada no coração de um povo heróico, que é roubado, explorado e esquartejado, por aqueles que extinguiram o comboio, «mergulharam» os melhores prados que alimentavam a vitela barrosã, os porcos, os cabritos  os cordeiros e até os burros.

Urge reverter tudo o que desapareceu por artes demoníacas. Já todos conhecemos o preço da interioridade. Salvemos a cultura, a ciência e o orgulho de ser português.

Nadir Afonso cresceu na arte e floresce na memória. Foi grande entre os maiores do seu tempo. Por isso se alegram os Barrosões, o Alto Tâmega e Trás-os-Montes, os Portugueses e a Lusofonia. Nesses pedaços de solo Lusófono aterra e descolará, desde agora, esse avião da TAP, devidamente identificado. Serão Lusófonos os seus pilotos, coo-pilotos e tripulação de bordo. Também para todas essas tripulações, o nome de Nadir Afonso será o embaixador da Lusofonia. Todos os aeroportos do planeta, onde este avião vai aterrar e descolar, será, no dia 5 de Maio de cada ano, uma visita diplomática, a lembrar o dia mundial da Lusofonia. Daqui se induz o orgulho da Portugalidade.

A nível regional das três referências telúricas: Chaves e Boticas já cumpriram o seu dever, através de estruturas dignas e justas. Falta Montalegre, por sinal dos sítios mais apreendidos pela sensibilidade da pictórica Afonsina: Larouco, Cávado e ponte romana deste rio feiticeiro. Ao felicitar a viúva de Nadir por este prémio, relembrando-lhe esta descriminação, sossegou-me nestes termos: «Nadir sempre se assumiu como transmontano e sobretudo como Barrosão. Em 2020 celebra-se o centenário do seu nascimento. Já contactei a Câmara de Montalegre a sugerir associar-se a esta efeméride. Estou a aguardar resposta pois penso, como o BF já em tempos tinha sugerido, criar um triângulo: Chaves/Boticas/Montalegre. Seria – cultural e turisticamente – muito interessante. As primeiras pinturas a óleo de Nadir são trechos de Montalegre. O Larouco sempre o fascinou, como se houvesse uma forte ligação telúrica àquelas terras».

Recorde-se que seu pai -Artur Maria Afonso - nasceu e viveu na Casa da Crujeira, na varanda mágica da Capital Barrosã. Se Boticas, onde a Mãe nasceu; e Chaves, onde Nadir veio ao mundo, já têm obra marcante, a terra natal do Pai também deve ter o seu altar artístico. Agora que a ligação viária está aberta pela fronteira norte, graças ao investimento de três milhões de euros do Município, resta a sensibilidade política para corporizar este triângulo.

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