Manuel Igreja
Não há Estadistas
Ao longo da História, a dimensão de um Estadista, revelava-se através daquilo que fazia, daquilo que dizia que faria e daquilo que parecia que fazia, ficando para memória futura aquilo que alguém registou como tendo sido feito.
Um Estadista era alguém que mercê de defeitos e de qualidade natas que se refinavam, se elevada acima do comum dos mortais, granjeando larga admiração pintalgada por invejas e ódios nascidos no alfobre da mediocridade e do despeito.
Até ao advento da Democracia ocasião para estatuto de semelhante jaez era para poucos ainda que tenha havido um bom punhado deles neste ou naquele século. O acesso ao patamar do Poder era limitado e por mero desígnio da tradição, ou pela conquista com cortes a fio de espada.
Na Idade Moderna com as luzes a fazerem desaparecer a Idade das Trevas no mundo ocidental, renasceu a Democracia que permitindo o exercício da representatividade e do poder através das escolhas dos cidadãos, tornou teoricamente universal o ingresso aos corredores do palácio do Poder, supostamente pleno de salas de sabedoria.
Sabemos bem, no entanto, que nem sempre foi nem assim é. A coisa refinou-se, não se afinou. Épocas houve em que se aprimorou, mas nos últimos anos quase podemos dizer que se não descambou, vem descambando. Os doutos ausentaram-se dando lugar aos tontos, aos espertos e aos inteligentes que governam para si, mas não para as gentes.
Por aqui e por ali, titulares de cargos superiores na Polis, exercem funções de Estado, mas muito poucos e cada vez menos se podem considerar como Estadistas. Falta-lhe a chama que suporta o carisma, falta-lhes a leitura sobre a humanidade, e falta-lhes o saber que permite ler o que está para lá de até onde a vista alcança. Não sabem tresler.
Nem sequer sabem medir até onde vai e o que provoca qualquer onda que façam. Cegos pela visão do interesse imediato, não conseguem pregar prego em estopa. Feitos sonsos, fazem sonso o povo de quem precisam convencer, esquecendo-se que cada vez mais todos sabemos que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.
Os políticos sem fibra de Estadista, não sabem nem sonham que para serem grandes, têm se guiar pelas fortes convicções que nascem no sentimento e no discernimento. Devem saber que os resultados e o reconhecimento levam o seu tempo, e que a opinião imediata nada colmata e só efemeramente ilude.
Não saber o efeito que provocam enquanto exemplo dado atitudes como as dos organizadores da Festa do Avante, ou a do Primeiro-ministro que deu e dá a cara por um recandidato a dirigente de um clube de futebol muito grande, mas que é tido como mais um dos muitos bandoleiros de gravata, é algo que demonstra temos um Estado sem Estadistas.
Obviamente que podia ir folha abaixo a arrolar outros exemplos, tais como os que exibem cursos superiores ganhos em pacotes de bolachas, fugas a pagamentos devidos, e utilização de benesses nada recomendáveis, mas não vale a pena e o espaço é eventualmente mais curto que as paciências.
Mais tarde, quando passar a espuma dos dias deixando que o tempo escorra com o seu jeito de mestre, a História dirá que nunca tão poucos tentaram enganar tantos.
Valerá o saber que diz que podemos enganar todos durante algum tempo, mas nunca todos durante o tempo todo.