Chrys Chrystello
Ninguém quer saber da verdade, apenas de que lado estás
Crónica 299 "Ninguém quer saber da verdade, apenas de que lado estás"
Todos sabemos que há dores insuportáveis e o único analgésico é o tempo, mas cura não existe...toda a sociedade ocidental carece da visão orientalista sobre a inevitabilidade do estado pós-vida e isso causa mais dor ainda…e é assim que descrevo estes últimos dias, meses, anos em que pessoas que cresceram connosco na música, nas letras, no teatro, na vida, nos vão deixando. Há quem diga que elas morreram.
como escrevia nesta data Mil Ghent ·
A velocidade dos acontecimentos ultrapassa-nos. Caímos no engodo. Distraímo-nos. Envolvemo-nos em assuntos prioritários. Compras e coisas assim. Família para sustentar, prole para educar. Um sem fim de compromissos. Empregos para garantir, imediatismo frenético, alta criatividade para consumo. E o pensamento vai mirrando, estiolando. Ninguém quer saber. Não tilinta no bolso, não tem futuro. Enquanto isso, a realidade acelera. E nós na fartazana, na loucura dos dias. Queremos é que nos não chateiem! Que nos não venham com tretas! O mundo vai estoirar? Depois vemos isso...
E, assim, impávidos e serenos, quase nos tempos do Estado Novo em que íamos “cantando e rindo” nos deixamos enlevar por este torpor, este amolecimento das capacidades críticas de pensamento e de discernimento…aceitámos que o mundo ande louco com mais xenofobia, racismo, ódio, nazismo, mas, na maior parte dos casos nem queremos saber por ser lá longe. È o Trump nos EUA, o Bolsonaro no Brasil, o Urban na Hungria, o Netanyahu em Israel, a loucura de Boris Johnson e do Brexit no Reino desunido, o descarado genocídio e roubo de terras palestinianas, o genocídio Rohingya na Birmânia (Myanmar) no Iémen e tantos outros países de que mal ouvimos falar, a guerra silenciosa no Sudão, os milhares de naufragados no Mediterrâneo pagos a preço de ouro às máfias de traficantes, os mercados de venda de escravos na Líbia e no Google onde os árabes escolhem os seus e as suas escravos, o trabalho infantil que mata milhares no Congo (República Democrática onde também há genocídio mas ninguém diz), a fome oculta nos sem-abrigo que enchem as ruas das cidades norte-americanas (e quantos deles são dejetos humanos das guerras que os EUA fomentam e alimentam por todo o mundo?, dantes ainda lhes chamavam veteranos de guerra, agora são meramente” homeless people”… depois, há as intervenções ocultas, descaradas ou assim-assim dos EUA em todas as quatro partidas do mundo, sendo notórias as mais recentes na América do Sul (incluindo o falhanço da Venezuela) mas a mais dolorosa de entender é a do Chile onde as forças assassinas do regime deliberadamente cegaram já a tiro centenas de pessoas que se manifestavam… para mim, que sou contra os milhões de guerras, que envolveram a humanidade desde que esta existe, esta é das mais brutais, inexplicadas e incompreensíveis formas de tortura.
Já não há operários nem proletariado mas abundam os vendedores de sonhos (ou de banha da cobra) mas como disse há dias o cineasta finlandês Aki Kaurismäki Este planeta nunca teve tantos sociopatas e idiotas no poder. De facto, para qualquer lado que me volte encontro isso mesmo abarcando todas as nações, suas populações e dirigentes. “Já ninguém quer saber da verdade, apenas de que lado estás" e as sociedades dividem-se irracionalmente entre “nós” e “eles”, inimigos a abater sem lógica nem razão, apenas a cegueira das convicções, ou damos patadas ou matamos consoante a fúria dos que nos rodeiam quando dantes a amigos e vizinhos se dava um pão e um copo de vinho tinto. Deixou de haver felicidade em dar, todos querem receber sem dar. Dantes havia atradição dos ianques matarem os seus presidentes bons, agora perderam essa tradição com os presidentes maus, In dogs we trust, parafraseando o lema estadunidense e mudando God por dogs (cito – de novo - Aki Kaurismäki).
Mas continuarei, solitariamente, a buscar a verdade que os meus vizinhos aqui na Terra pretendem ignorar.
Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists' Association] MEEA]
Para o Diário dos Açores (desde 2018) Diário de Trás-os-Montes (desde 2005) e Tribuna das Ilhas (desde 2019)