Manuel Igreja
O Abraço ( conto de Ano Novo)
Ninguém sabe ao certo quando terá nascido. É velho de milhares de anos, o abraço, pois despontou assim que o ser humano se deu conta de si e dos outros. Soltou-se desde logo e sempre que as emoções viraram turbilhões foi acontecendo.
Andou por aí não ao deus-dará, pois nunca aconteceu por acaso ou sem vontade, foi até muitas vezes reprimido, mas pode dar-se como felizmente acontecido em todas as horas e em todos os lugares. Fez-nos diferentes e frequentemente contentes.
Não andou sozinho, contudo. Por vezes fazia par com o beijo. Ambos foram expressão de afetos, de amores de ardores. Um e outro acalmaram dores, araram almas feitas solos em que se semearam flores. Fizeram chorar e sorrir.
Porém, a páginas tantas, deu o trangalomango às pessoas de todos os cantos do planeta feito canteiro. Dizem que é aquele onde o Criador se revelou absolutamente inteiro por nele plantar gentes e saberes. Pelo menos até narrar, não se conhece outro que se lhe possa igualar.
Continuou o abraço com vontade de andar que nem cavalo à solta, mas por forte necessidade puxaram-lhe as rédeas, salvo seja. Deixou de andar a todas a brida e nem sequer à arreata. Homens e mulheres amarraram impulsos, cercearam anseios, tiveram de ficar mais ausentes para poderem continuar mais presentes.
O abraço esmoreceu, refreou, mas não mirrou. Esperou o momento de despontar. Fez-se acompanhar dos beijos que ficaram por se dar, mas que se guardaram em cada vaso de seu dono qual tesouro feito de ouro ou prata, por via de um mal que mata.
Adormeceram sob efeito de uma bruxa má. Não morreram. Não podem e ninguém deixa. Dizem até que o feitiço está prestes a levar sumiço. No meio das brumas já se vislumbram os contornos dos garbosos e valentes príncipes montados em belos ginetes com poderes para os acordar.
Vai acontecer. Não será por magia feita com letras alinhadas de muito encantar. Acontecerá por sabedoria alimentada em solidariedade e em vontade, no tempo em que a inteligência vencerá a batalha sobre a ignorância com fortes estocadas na ganância.
Está quase. Então, ver-se-hão vendavais de abraços sem cansaços, os novos ventos espalharão os beijos adiados, levantar-se-hão as âncoras que amarram as emoções. Das entranhas libertar-se-há o fogo dos vulcões apagados, ver-se-hão outra vez brilhozinhos nos olhos. Saberemos o que nos dizem.
Já se ouve o repicar dos sinos nos campanários. Ainda não há alecrim nem flores espalhadas no chão da nossa aldeia, mas devagar vai seguindo a procissão, pois os santos são de barro.
Neste conto a que se acrescentou um ponto, como é costume dizer-se, não se narra toda a história pois ela ainda não acabou. Está a fazer-se. Não sabemos totalmente como, mas sabemos que quem sabe faz a hora e não espera acontecer.
Nada tarda o velho abraço. Soltem-se os beijos.