Alexandre Parafita
O botão de Salazar
Conta-se que Salazar, ao reparar num dos serviçais que lhe abria o portão usando um fato velho e gasto, meteu a mão ao bolso, para tirar o que dava a supor ser uma boa gorjeta, e, com a mão fechada, disse-lhe:
– Toma lá para um fato.
O homem meteu a gorjeta no bolso do casaco e correu para casa todo contente, para dar a novidade à mulher, cuidando que levava com ele aquela tão cobiçada moeda de 10 escudos, que, nesse tempo, dava para um fato, e dos bons. Porém, o que tirou do bolso não foi uma moeda, mas um botão. E diz então, muito desiludido:
– Com a verdade me enganas, meu grande safado!
Contaram-me ainda que deste curioso episódio pode ter nascido esse também curioso oximoro popular (“com a verdade me enganas”) que, nos dias de hoje, cada vez mais vemos acoitar-se no cenário fakenewsiano que a todo o momento nos enche os olhos e os ouvidos, e onde a manipulação da verdade, pelo dúbio sentido extralinguístico das palavras, conduz a uma descarada e ardilosa legitimação da mentira. Mas pior ainda é quando, consciente ou inconscientemente, ao induzir em erro quem lê ou quem ouve, se lhe está a frustrar os sonhos ou as expetativas.
Quando o governo atirou cá para fora a lei de 5 de fevereiro último (Decreto Regulamentar n.º 2/2019), anunciando que os trabalhadores da administração pública poderiam pedir a pré-reforma antes da idade legal (66 anos e cinco meses), o que conseguiu foi criar falsas expetivas nos cidadãos potencialmente interessados. Mais um engodo pré-eleitoral?, terão pensado muitos.
Na verdade, alguns dos que tentaram iniciar o processo ficaram já a saber que o que receberão ao fim do mês provavelmente nem para um fato vai dar…
in JN, 5-4-2019