Manuel Igreja

Manuel Igreja

O Brasileiro

Até ao último quarto do século passado, o vigésimo na era de Cristo, não foram assim muitos os que se atreveram a emigrar da aldeia em cata de novas e melhores formas de vida.

Pelo raiar da centúria um punhado foi para o Brasil, e depois pelo seu meado, outra mão cheia zarpou também para a terra de Vera Cruz, como também era historicamente conhecida a antiga colónia do lado de lá do mar.

Do lado de cá, por estas bandas havia miséria e fome, mas vá lá saber-se a razão, as pessoas acomodavam-se na raiz num viver ronceiro e costumeiro ao redor das vides que tratavam melhor que das vidas. Os dias da semana eram de árdua labuta e os domingos eram de bailarico e atavios a preceito.

Um dos que abalou para o Brasil foi o Manel Pedro. Não sei se penou muito ou pouco nem se enriqueceu por aí além. Diz quem sabe que por lá ou era uma coisa ou outra. Ou muita penúria, ou muita abastança. O remedeio seria raro.

Bom. O certo é que em mil novecentos e sessenta e cinco, o nosso herói, chegou à aldeia acompanhado da mulher e de três filhas já em idade casadoira.  Foi um alvoraço o aportar onde ninguém chegava de novo, num quotidiano em que quase sem saídas, tirando uma ida ou outra à feira na vila ou de oras em quando a uma romaria por perto.  

Ainda me lembro dele. Homem de meia idade, meão de estatura, fino no trato e generoso. Simpático e com sentido de comunidade. Com as malas acabadas de desfazer, começou de imediato a mexer nas coisas da freguesia.

Artista de mãos, esculpiu no granito um novo altar-mor para a Igreja Matriz, tendo então sido substituído o antigo e secular do tempo em que o padre rezava a missa de costas voltadas para os paroquianos. Com este não, os responsos eram ditos cara a cara conforme os novos cânones.

No ano seguinte, a Festa do Padroeiro S. Pedro e mais a de S. Paulo que é ao outro dia, foram de arromba. Um conterrâneo muito rico e a residir no Brasil mandou verba farta, juntou-se-lhe mais outra recolhida na terra, e até duas estátuas em mármore se fizeram aos santos apóstolos.    

Como é timbre, o regressado tinha de edificar casa nova, edificou, e ainda está em pé. Mas não se julgue que é uma casa qualquer ou igual a tantas outras. Não senhor. Nem ele seria quem era. Homessa! Foi toda revestida com azulejos de muitas cores e as janelas levaram persianas. Coisa nunca vista na época.     

Mas não visto noutra até hoje, é o telhado em bico, mas ao contrário, fazendo a água das chuvas escorrer por um rego até ao cano em direção ao solo. Era um assombro a casa. Pacata e bonita num lugar calmo e bonito, não lhe faltando um carro portão adentro. Um luxo e tudo corria pelo melhor.     

Mas um dia houve um estrondo. Um espanto de fazer uma pessoa benzer-se com a mão esquerda. O Brasileiro e uma mulher casada da terra apaixonaram-se e aproximaram-se. Ninguém se apercebeu. Só se soube depois da abalada de ambos para longe.

Os encontros eram fortuitos se os houve, e o namoro era essencialmente mantido e passado em cartas deixadas num buraco numa parede num certo sítio. No entanto nada custa acreditar que era ardente. Muito ardente e com muitas juras de amor.   

Queimou ao ponto de deixarem tudo e todos indo procurar nova vida noutros mundos vivendo um amor que terá sido para sempre. Não sei. Nestas coisas do amor, não há juiz que valha nem regra que faça lei.

Seja como for, perderam-se de amor e deitaram a perder e esquecer tudo o que era passado. Fugiram como se dizia, porque o destino lhes marcou a hora indicando-lhes novos destinos a fazer e a percorrer.

No do Brasileiro estaria o ponto em que qual tufão arribou à terra natal para deixar marca e para queimar e ser queimado por um cego amor.                    

 


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