Manuel Igreja
O brilhozinho nos olhos
Conforme vai andando na vida, porque me custa a dizer evoluir, a Humanidade vai-se tornando refinada no seu pior, não deixando de ser admirável no seu melhor naquilo a que dá forma e vida. Naquilo que consegue alcançar com o conhecimento que vai adquirindo, espalhando e desenvolvendo num processo que se alonga em cadeia.
Por exemplo, na segunda década do século XX, mercê das tecnologias acabadas de surgir, lançou-se alegremente no precipício naquilo que foi a Primeira Grande Guerra, aquela em que morreu mais gente e houve mais destruição do que em qualquer outra antes dela. Concluiu-se depois que nem os mais versados militares tinham a noção do potencial de destruição e de morte à espera de ser experimentado.
Podia ter-se aprendido algo, mas não se aprendeu. Pouco mais de trinta anos depois, um indigente, um artista falhado, um personagem de opereta, conseguiu arrastar consigo milhões de compatriotas e colocou de novo o mundo a ferro e fogo. Em cinco anos, a Segunda Grande Guerra tornando bestas cruéis os que eram pacatos cidadãos, de novo graças à força da técnica e da técnica de força, provocou milhões de mortos e cenas horrivelmente impensáveis.
No final de ambas, jurou-se a pés juntos que a guerra jamais voltaria. Após a segunda, o mundo ocidental conseguiu edificar e disponibilizar a mais elevada e melhorada forma vida, a chamada sociedade do bem-estar, de eu e mais boa parte dos que este escrito leem, temos vindo a usufruir. Por mais que apregoem e lancem loas a outras formas de cidadania e de regimes políticos, tem sido assim para desespero de líderes de outras paragens que tudo fazem para que por lá não soprem as nossas aragens.
Começam, no entanto, por estes anos os amargos de boca, a sensação de que a nau se pode afundar porque os ventos não estão de maré. Existem uns poucos que podem tanto, que são capazes de mandar nos ventos que sopram e que fazem soprar a seu contento. Sabem que o barco corre o sério risco de não ir dar a bom porto, mas estupidamente não lhes faz monta. Só lhes conta o monte de notas e de ouro que guardam nas suas arrecadações, passe o termo.
Os cientistas avisam que o planeta azul vai ficar escuro e derretido, mas encolhem os ombros. Quem vier que apague o fogo e que trate depois dele se ainda valer a pena, pensam eles que se dedicam agora a começar a procurar sítio para ficar nem que seja na lua, onde sempre metaforicamente andam. Ninguém leva o tema a sério porque não dá jeito, a não ser alguns imberbes que perdem a razão por não saberem fazer e fundamentar bem a sua ação.
Volvendo às guerras que as há para cima de mais de quarenta neste ano da graça de 2024, tempo em que somos pequenos deuses que não de importam com os filhos de deuses menores que não conseguem ter vidas minimamente dignas porque lhes roubaram ou recusaram a decência que merecem e a que como pessoas têm todo o direito. Todos nascemos e morremos da mesma maneira, mas milhares de anos depois de termos noção de nós e consciência do que é a nossa sombra, continuamos no ponto zero da evolução.
Existem máquinas que trabalham muito e por nós, que produzem depressa, muito e bem, mas se a riqueza criada permite farta mesa a alguns, não consegue porque não a deixam, permitir comida minimamente suficiente para que se veja a fome como algo só próprio de outras eras, quando se sabia pouco e se dominavam muitas poucas coisas.
Está, pois, de se não recomendar este mundo que é seu e meu. Continua a ser belo, mas crescentemente mal frequentado. Sopram nele os ventos da intolerância, da arrogância e do ódio. Em cada esquina, não está um amigo, mas antes mais um motivo para o medo que se espalha.
Já não nos espantamos e quase nada nos admiramos. Vai-nos custando sorrir, porque os semblantes se fecham. Sem querer e sem sabermos. Nestes dias que são noites, começam a faltar os brilhozinhos nos olhos.
Acenda o seu que eu ainda não deixei apagar o meu.