Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

 O campo é bom enquanto houver humor

O campo é bonito para passear nas férias e levar lá os putos (como quem os levava dantes ao zoológico) para verem como se vivia antigamente, coisa que eles decerto nem vão acreditar.

A única diferença é que este zoo já não teria bípedes em exposição por detrás das grades, mas reproduções e filmes deles no habitat natural. Sempre se aproveitava para manter a tradição viva e ensinava-se a história dos antepassados. Este método de ensino é mais económico e proveitoso que ir a um museu, que, como sabem, fecha nas férias, feriados, dias santos e ao fim de semana. Se os turistas querem ir aos museus portugueses é meramente para cobiçar o que lá existe. Quiçá para tentar roubar umas peças sagradas para contrabandearem para as terras deles, que nada têm de valor, comparado ao que existe em Portugal...

Querem-se políticos a pensar no país, a congelar deputados inúteis, a desburocratizar, a pensar na Nação sem betão nem alcatrão. Queremo-los num hospital, repartição, tribunal, transportes públicos, a tirarem o número na fila sem privilégios nem mordomias, sem médico de família, como milhões de portugueses. Ando há meses a matutar neste tema. Devaneei que o país tinha deixado de ser Lisboa. Idealizei aldeias, crianças em escolas reativadas, campos cultivados e os mais idos, mas o que encontrei?

Como acabam com as escolas, maternidades, e outros serviços no interior, fica mais barato mudá-los todos para a cidade pois aí terão um nível económico, qualidade de vida mais elevada do que se continuassem a viver em aldeias de casas de pedra sem condições, para onde a energia elétrica custa milhares a ser transportada, mais as linhas de telefone fixo, mais o saneamento e o abastecimento de água, e tudo isto já existe nas cidades e no litoral. Toda a população podia desfrutar do ótimo clima à beira-mar plantado. Mudam-se, de vez, para a costa mesmo que desapareça em breve. Nos últimos anos a Europa já ensinou que a agricultura portuguesa não dava nada e o melhor era importar de Espanha onde fazem agricultura a sério. 

Por que é que isto não foi pensado nem feito antes? Tinham-se poupado milhões de euros em estudos e em comissões que nunca epilogaram nem propuseram nada digno de ser aplicado. Deve ser por isso que o país se atrasou tanto. Mas com tanto betão a mexer-se para os lados do novo aeroporto e com a velocidade do TGV, ninguém se apercebeu de que os últimos exemplares do comboio Foguete (anos 1960) apodreceram em Elvas pois não há dinheiro para os recuperar. As linhas de caminho-de-ferro para o interior vão desaparecendo, seguindo a lógica racional e pragmática de que lá só existem os velhos que não contam nem votam.

 Anda o Estado a gastar dinheiro, a construir estradas, pontes, viadutos e túneis para o interior, de custosa manutenção, quando lá não vive ninguém (ou quase). Vai-se a qualquer aldeia e são só meia dúzia de velhos. Já transferiram as crianças para as cidades, logo na escola primária. Basta fazer o mesmo aos velhos. Depois de verem o progresso urbano nunca mais querem regressar para o atraso e provincianismo das aldeias. As aldeias parecem agradar aos turistas que começam a ir mais regularmente conhecê-las, desviando-se da rota universal do Algarve, a floresta de betão implantado em praia ou nesga de areia. Assim, o mais lógico é trazer os velhos para a cidade, pois, entretanto, morrem. Depois, lá nas terras deles, plantam-se uns campos de golfe. Como sabem, é o desporto de milhões de portugueses. Sempre dá mais dinheiro do que plantar batatas, dado haver um excesso de produção da variedade portuguesa da semilha.

A Europa decidiu o mesmo quanto à pesca portuguesa, que tão boa fama tivera em tempos saudosos. O melhor era aboli-la para que ficasse mais barato aos espanhóis virem cá pescar, levar e tratar o peixe na terra deles. Depois, voltavam para o colocar na lota mais barato do que se tivesse sido pescado em Portugal por portugueses, tratado em lotas portuguesas e vendido por varinas portuguesas. Romanticamente, tentou-se manter a agricultura de subsistência sem rentabilidade à custa do sacrifício dos pobres agricultores iletrados, que. tiveram de fazer inúmeros sacrifícios, levantarem-se pelas 5 da manhã e trabalharem até ao pôr-do-sol, para receberem uns tostões pelos legumes que os hipermercados vendem por euros. Toda a gente já sabia que se esses agricultores vivessem na cidade não precisavam de se esforçar tanto. Não vale a pena cultivar uma couve-galega na varanda ou na “marquise” para fazer um caldo verde. Além do mais é proibido.

Não podia continuar silente, este era o rumo que o futuro nos indicava, seguido na península ibérica, as ilhas estão a ficar desertas? Vamos juntá-los todos e trazê-los para as cidades, só assim os Açores serão rentáveis.

Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists' Association] MEEA]

Para o Diário dos Açores (desde 2018) Diário de Trás-os-Montes (desde 2005) e Tribuna das Ilhas (desde 2019)

 


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