Manuel Igreja

Manuel Igreja

O caso das pitas poedeiras

A gente às vezes engana-se. Pensa uma pessoa que os altos responsáveis que escolhemos para cuidarem de certas coisas da nossa vida andam desinteressados ou pouco virados para os assuntos sérios, mas não. Nem dormem a cismar no que deitarem cá para fora sob a forma de regulamentação.

Querem que o nosso viver ande nos eixos e sem riscos escusos e acrescidos, reúnem entre eles ouvindo os excelsos consultores e assessores que enxameiam pelos corredores, debatem, encontram a solução e ditam a lei. Faça-se assim ou assado, proíba-se isto ou aquilo, registe-se, esqueça-se, e sem apelo nem agravo aplique-se a coima respetiva aos desobedientes.

Ainda bem que é assim. Daí o nosso sossego, pois bem sabemos que existem cidadãos que mais parece terem nascido com o fado que leva ao não obedecer a não ser pela força do castigo. Mais ou menos arredios da arreata qualquer um de nós só lá vai se for obrigado. Temos espírito de contradição e “eles” bem sabem.

Por isso legislam a bom legislar. Nem que seja para “inglês ver”, para nos distrair, ou para fazerem que fazem, preenchem o Diário da República, publicação digna e de respeito que não pode sair da gráfica sem conteúdo de fio a pavio. Sem aquelas folhas nem saberíamos onde fica o Norte. Nem a estrela polar nos valeria.

Ainda recentemente veio uma nova obrigação daquelas que não lembra nem ao mafarrico. A partir do próximo mês de setembro, passa a ser obrigatório o registo de todas as galinhas poedeiras. Vai acabar essa coisa de se terem na capoeira pitas anónimas a porem ovos para nosso sustento e sempre sujeitas ao humor dos galos de crista erguida.

Não, não. Passam a ter um número num chip todo moderno e risco de pena corre, quem lhes toque sem que dê o devido conhecimento ao vigilante departamento oficial. Ainda não sei se cada ovo de seu cú saído irá ou não provocar um piscar na aplicação, mas nada me admirava se assim vier a ser, pois nada estanca a modernidade urbana no seu chegar ao mundo ancestral e rural.

Que se cuidem, pois, os donos e as donas das capoeiras onde grassa e reina a criação. Isso de se ir ali ao galinheiro buscar os ovos do dia para fazer um pastelão, ou deitar-se a mão ao animal que se criou com fim destinado para com ele fazer um arroz de cabidela para os de casa e para os amigos, vai complicar-se e de que maneira.

Não atingi ainda a causa desta coisa, mas é para nosso bem. Digo eu que sou nado e criado no campo. Basta lembrar o que fizeram com quem tenha um pedaço de terra em volta da casa e lhe tenha dado para criar umas ovelhitas assim em jeito de distração e de amor pelas coisas singelas da ruralidade. Os altos desígnios de quem cuida e se não descuida, arranjou-lhes tal sarrilho burocrático que caso o desinfeliz opte por se deliciar a carne nas ervas tenrinhas criada, esta lhe fica mais cara que caviar ou outros comeres de alto luxo.

Mas podemos dormir descansados nós meros e simples cidadãos, tantas vezes ingratos. Nestes nossos dias as coisas do mundo vão calmas, a nossa vida é um remanso, nada nos inquieta, a vida vai boa, mas convenhamos que esta medida de se registarem as galinhas por entre as pedras criadas, estava mesmo a fazer falta à nossa sociedade.

Sem dúvida que pela luneta da burocracia citadina que só atinge o limite dos umbigos, se vislumbram problemas e soluções para todos os males do campo e das pessoas que se dão ao luxo de terem à mão-de-semear as delícias que são carícias para as memórias e para os paladares.

Mas isso, os enxabidos não entendem. Se entendessem, respeitava e não chateavam quem só quer que venha uma chuvinha a tempos e horas. Até o tempo anda trocado e que está tudo grosso.

Só assim se percebe este caso das pitas poedeiras. Digo eu.


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