Manuel Igreja
O Despovoamento
Ao longo da História, o povoamento do território a administrar sempre foi uma das principais preocupações de quem governa. Na Antiguidade Clássica, às conquistas de impérios, sucediam-se sempre movimentos de verdadeiras massas humanas tendo em vista a sua ocupação. Na Idade Média e tomando como exemplo o nosso país, à medida que se ia conquistando o chão aos mouros, logo havia a preocupação de nele colocar gente nossa.
D. Afonso Henriques inteligentemente não expulsava os submetidos e fazia questão até de nomear o seu chefe como seu representante local. Integrava para unir, mantinha pessoas para povoar. Aproveitava o que os outros sabiam para aprender. Seu filho D. Sancho I fundou cidades, povoou e ficou apelidado de povoador. Bem hajam um e outro por se terem dado a esse trabalho.
Chão que não pisamos deixa de ser nosso e só serve ou para medrança de matagais ou para proveito de outros que lhe deitem a mão. Ninguém inventa nada, por isso ao longo dos séculos com mais ou com menos almas, as regiões foram sendo habitadas, administradas e respeitadas para fortalecimento das tradições alicerces das identidades individuais e coletivas.
No entanto as coisas mudam. Ora para melhor, ora para pior, mas mudam. As circunstâncias mandam. Sendo cada homem ele e mais a suas, pouco mais resta do que individual ou coletivamente não se deixarem as respetivas em mão alheias ou ao deus-dará com influências e características ao jeito e em proveito de quem calha. Em Portugal, ao nosso velho costume de improviso, infelizmente o acaso tem vindo a reinar nos ventos que movem as circunstâncias.
O modo como desde há século e meio se tem vindo a gerir o território e mais a sua ocupação humana, é um verdadeiro compêndio de ausência de planeamento, de inércia, de falta de visão, de caciquismo e de compadrio. A casualidade campeia e o desperdício serve de proveito a alguns enquanto prejudica a larga maioria. Mas foi dando. O problema é que agora o ordenamento territorial ou a falta dele, começa a fazer-nos sofrer de mazelas incuráveis enquanto nação soberana de mil anos.
Se não, vejam então por favor o que vou dizer e depois digam alguma coisa: afirmam os estudos elaborados por especialistas que no ano de 2040, oitenta por cento dos portugueses viverão no litoral em torno de Lisboa e do Porto. Ora, se partirmos do princípio que grande parte dos outros dependurarão o pote nas cidades que foram capitais de distrito, o que resta estará entregue a ermitas quando muito. Então, corre-se o ferrolho e fica entregue a almas penadas?
Dizem alguns que não há mal, pois em muitos países da Europa assim sucede. A vida decorre organizada em cidades de média dimensão. Pois. Mas há especificidades históricas que fazem com que uma coisa seja uma coisa, e outra coisa seja outra coisa. Um ponto de chegada encontrado é sempre o resultado de um caminho que bem ou mal se percorreu. Tudo se interlaça.
Pegando num ponto. Nos tempos modernos, a grande mudança demográfica e a colocação das gentes no território fizeram-se com a revolução industrial nos meados do século XIX que levou ao êxodo dos campos para as cidades. No entanto em Portugal tal fenómeno foi ténue. Não havia dinheiro disponível para fábricas porque se investiu nas vias de acesso, estradas e caminho-de-ferro e perdemos o comboio da modernização. Continuamos na aldeia a cuidar das vides melhor que das vidas.
Mais tarde, já nos anos sessenta do século XX, o dinheiro que os emigrantes enviavam para a terra, continuou a aconchegar-nos no berço. Com evento da democracia por causa da cata dos votos, continuou a haver fundos para se irem mantendo as instituições e as pessoas na terra de origem. As vilas foram-se mantendo e ainda bem, digo eu que me sinto satisfeito e me identifico com esse modo de vida.
O problema é que agora a porca torce o rabo. O interior apesar de não ser muito dentro do território sofre sangria demográfica e vai continuar a sofrer. Vai esvair-se, mas andamos a tapar o sol com a peneira. Não se conseguiu nem consegue encontrar o remédio que estanque o escorrimento. Gente importante e muito cheia de si jura que não, mas pode enganar-se.
Não chega que se construam autoestradas que ligando polos urbanos com quase nulo poder de atração a polos urbanos com quase pleno poder atrativo, pois despovoam mais do que povoam como se tem visto. Por outro lado, é excelente que se criem empregos no interior. Ó se é! No entanto, se não medrarem o conhecimento e a cultura que fazem o cosmopolitismo, qualquer jovem que saiba que há algo para lá de onde a vista alcança, na primeira oportunidade calça os ténis e muda-se para onde a vida acontece sem espartilhos mentais.
Resta-nos uma coisa. Aprender com a História olhando em redor porque as fronteiras não existem. O futuro que já não é o que era, garante-se valorizando, ousando e gostando do que somos e do que temos. Só assim os outros o desejam quando sabem dele. A luta contra o despovoamento começa em cada um de nós.