Manuel Igreja
O Elefante Morreu
O elefante preto morreu. Esticou as pernas depois de lhe darem muitas marretadas. Usaram-no enquanto quiseram e deu jeito, mas depois deixaram-no andar meio tresloucado sem capacidade de se acudir a ele mesmo, apesar da sua enorme importância enquanto potencial aglutinador dos interesses da manada.
Ao longo de seis décadas, mais coisa menos coisa, foi um ser poderoso, reverenciado e até temido. No entanto, por força das circunstâncias, por causa de muitos interesses de uns poucos, e por via do desleixo de muitos mais, tiram-lhe num repente as forças. Ele, por sua vez, desorientou-se e marrou a torto e a direito ao ponto de ficar zonzo. Esperou por ajuda que nunca veio, até que no final do ano passado lhe deram a estocada final.
Na rua principal da cidade o vulto negro da sua carcaça, vulgo sede, é hoje em dia um símbolo cabal de decrepitude. Por fora contínua reluzente e com ar firme, mas por dentro, no miolo, o caruncho vai fazendo mirrar o esqueleto. Qual mastodonte negro de enorme volume, nada tarda que em noites invernosas seja capaz de meter medo ao susto por causa do seu ar fantasmagórico.
Mataram o elefante negro depois de ele ter virado elefante branco. Com uma mera assinatura em legislação feita ao de leve e com injustificada pressa, decretaram-me o fim. Ainda bem que o não pintaram de roxo, porque se não, morria ele e morríamos nós todos de vergonha. Ele porque não se soube cuidar e revitalizar, nós porque numa eterna espera pela chuva, não fizemos sementeira que lhe proporcionasse alento.
Insanamente permitimos que se espalhasse e em grande parte assumimos a ideia da sua inutilidade. Foram-lhe atiradas pedras por causa do seu desgoverno, criticaram-lhe a falta de norte. Encalhou, porque sabendo-se que a barco mal dirigido nunca os ventos são favoráveis, não houve alma que lhe saltasse para o leme a tempo em vez de se tentar acudir-lhe a desoras.
Compondo a mão, ou tentando pelo menos, quem desferiu o golpe jura a pés juntos que este não é nem pode ser fatal. Será mais uma forma de fortalecimento da manada por alteração feita ao elefante guia a quem não mais se pretendeu do que modificar-lhe um pouco a forma com profunda alteração na sua natureza. Dizem.
Dado que a manada não pode ficar sem quem vá na ponta, apesar de tudo surgiu quem se organizasse tendo em vista suceder-lhe. À velha maneira que é nossa, não faltaram as guerras de alecrim e manjerona, discussões sobre tudo e sobre nada, mas com ausência do essencial necessário para que se saiba inequivocamente ao que se vem, para onde se quer ir, e que caminho se quer percorrer.
Diz quem sabe, que muita água do nosso rio vai correr por debaixo das pontes até que se conclua o processo de substituição do elefante negro que não deixaram fenecer dignamente como era merecedor pelo que foi, pelo que representou, e mais não seja, porque é de uma região que deu e dá muito ao país espalhando delícias próprias do Olimpo por esse mundo de Deus afora.
Finou-se o elefante negro do Douro. Espécie única em terra singular e sem igual. Esperemos que como fénix, ave que diz a lenda era capaz de carregar elefantes nas garras, também este renasça das cinzas forte e eficaz. Ainda estão quentes, será mais fácil. Quem sabe.
Nota: Qualquer semelhança com a Casa do Douro, não é mera coincidência.