Manuel Igreja

Manuel Igreja

O Engenheiro Pires

 Há pessoas assim. Nascem, fazem o seu percurso de vida, fazem obra, aprendem, ensinam e influenciam os quotidianos nas suas comunidades e os de algumas pessoas, de entre todas aquelas com quem se cruzam.

O engenheiro Pires, José Maria Pires de seu nome, foi uma delas. Não vale a pena colocar o “senhor” antes do título académico, porque era assim que todos os seus alunos, entre si, o tratavam, numa proximidade comedida e, inequivocamente, suportada pelo respeito a que ele se dava e recebia.

Foram aos milhares os jovens, de toda a região, que tiveram o privilégio dele receber ensinamentos técnicos, e foram também inúmeros os que viram a sua vida modificar-se e ser diferente e melhor, graças às dinâmicas e às oportunidades por ele criadas, ou de raiz, ou com uma importante intervenção da sua parte, no tempo em que o cinzento era a cor predominante no horizonte.

No país que, no dealbar da década de setenta, do século XX, ainda se não tinha libertado dos modos de vida do século XIX, contrariar a corrente que levava aos dias repetidos e às condições socioeconómicas repetidas, era como antes, quase impossível, pois, se algo mudasse, era para ficar tudo na mesma. Como a lesma, diz o povo.

O dito elevador social era quase pura fixação. Estudar, para quem não fosse filho de gente com algumas posses, estava fora de questão. Quando muito, só no seminário, onde, a troco de um quase nada, havia um quase tudo que era preciso, para se dar um golpe de asa no renegar do destino, desenhado para se ter uma enxada como caneta e os campos como folha para escrever nas agruras da vida passada no agricultar.

No entanto, contrariam-se, de vez em quanto, as sortes que parecem pré-definidas para que não sejam alteradas ou movidas. Nisso, o engenheiro Pires foi quase inexcedível. Formado em engenharia agrónoma, julgo saber, dedicou-se de alma e coração ao ensino. Teve influência e influenciou.

Nos idos anos de há cerca de meio século, colocou toda a sua capacidade de empenho ao leme da então Escola Técnica da Régua que, a dado momento, deixou de ser mais uma como tantas outras. Isso aconteceu quando foi criada a Seção Agrícola, na Quinta do Rodo, origem da agora Escola Profissional ali em atividade. Foi ele, e muito por ele, digo eu, um dos primeiros alunos, que se abriram os alicerces de tão importante equipamento, fator fundamental para o caminho a percorrer e para o ganhar de apetências e de competências de largos milhares de pessoas.

Para os alunos oriundos dos quatro cantos da região do Douro, de Trás-os-Montes e também dos arrabaldes da Beira Alta, a Escola disponibilizava estadia, com preços perfeitamente acessíveis para os bolsos dos pais remediados, ou nem por isso, com cama, mesa e roupa lavada.

A Escola do Rodo foi uma via aberta para as oportunidades do mundo, foi a força de guindaste que permitiu traçar novos rumos. Estudar passou a ser possível, estabelecer e sonhar uma meta passou a ser uma obrigação mais democraticamente alargada, apesar da madrugada libertadora ainda não ter acontecido.

Por isso, o engenheiro Pires foi uma das pessoas cuja vida valeu a pena. A dele e a de quem pode aproveitar as circunstâncias que empoderam e que nos tornam melhores, porque aprendemos a ser e a fazer. Já agora, e a reconhecer.



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