Ana Soares
O espelho da mudança
Todos nós crescemos a ouvir que devemos correr atrás dos nossos sonhos, que a vida é curta e tem que ser vivida. O "muda de vida se tu não vives satisfeito" é o mote de uma música fantástica, que todos defendemos na teoria mas... Onde fica a prática?
Li, em Maio deste ano, um artigo da autoria de Cristina Nobre Soares publicado no Público intitulado "Quando se muda de vida aos 40" e aconteceu-me estar a ler um texto que parecia ter sido escrito para mim. Não que tenha 40 anos, ainda me falta uma década, mas tinha acabado de fazer uma mudança profunda na minha vida.
Em Abril deste ano a minha vida profissional deu uma volta de 180º. Tive a sorte de fazer esta mudança por opção e em nome daquela que é a minha razão de viver: a minha Família. Mais concretamente por alguns sonhos que, com ela, quero concretizar.
O mais interessante é que (quase) todos os Amigos que me incentivavam há muito para a mudança, no dia em que a concretizei, pareceram os arautos da desgraça e o "devias era começar por mudar de emprego" deu lugar ao "tu pensa bem no que estás a fazer à tua vida". Ora muito obrigada.
Ninguém muda (ou deve mudar) de vida pelo que lhe dizem, mas conta com o apoio de quem sempre achou que o devia fazer. Mas desiludamo-nos: ensinam-nos que devemos mudar quando achamos que é o modo de vivermos a nossa vida - a tal curta e única - mas, na prática, uma mudança radical implica medo, um novo recomeço e incerteza sobre se, de facto, estamos a ir no bom caminho. E não. Não estamos, como um todo, preparados para isso.
Parece-me que a situação piora um pouco quando a opção implica sairmos de um bom emprego. No meu caso, fazia algo de que muito gostava - e gosto! -, estava numa situação estável e confortável e adorava as pessoas com quem trabalhava (imaginem a minha sorte de trabalhar com uma das minhas melhores Amigas ao lado, com uns Colegas fantásticos e de nem do Chefe ter razões de queixa…)! Mas sentia que me fazia falta tempo para viver. Viver a vida e o que realmente sempre foi o meu projecto de vida: construir uma Família feliz.
Se qualquer mudança assusta, penso que a escala é directamente proporcional à estabilidade e posição que tinhas no teu emprego anterior. Se estavas numa "boa" posição, a mudança é vista com mais estranheza pelos outros e até com desconfiança. Sobretudo se mudas para algo que comummente é visto com mais reticências pela sociedade. E não nos iludamos: quando estamos numa situação estável, em que não temos razões de queixa do emprego em si e em que também somos felizes a decisão de mudança é muito difícil. E é nessa altura em que cada "mas tens a certeza?" chega com um novo suspiro. Porque vontade há muita. Mas certezas nem por isso.
Bem sei que a preocupação é sinal de amizade e - sempre o disse - das maiores Graças de Deus que tenho a cada dia são os Amigos. Amigos na completa acepção da palavra e com quem espero que a nova etapa da minha vida me traga mais momentos de partilha. E a preocupação de amizade é (ou pelo menos eu assim a vejo) o coração e a razão que tentam encontrar um modo de expressar o quanto significamos na vida dessas pessoas.
A verdade é que qualquer mudança profunda nunca se resume a uma só parte das nossas vidas. É a consequência de sermos um só, sem compartimentos estanques. E, quando o medo se vai embora – ou se reduz ao ponto de já não darmos por ele no dia-a-dia – que bom é sentirmos que tivemos coragem de dar o passo em frente. Não rumo ao precipício mas ao novo caminho. A um caminho nosso, que talvez durante algum tempo só nos mesmos o vejamos, mas que com a Luz e a força de vontade que guia as nossas vidas talvez um dia nos permita dizer que foi graças a ela que – simplesmente – vivi.
E, quando chegar a altura de olhar para trás e fazer um balanço da minha (espero que longa e feliz) vida é isso que quero poder sentir: que a vivi, sendo um motivo de orgulho para os meus Pais, de felicidade para o meu Marido e Amigos, e de referência para os meus Filhos.