Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

O interior mais-que-profundo do prof. Marcelo

Ainda e só professor, mas já sob a áurea ternurenta dos afetos, Marcelo Rebelo de Sousa, numa passagem pelo nordeste transmontano, improvisou uma espécie de aula de geografia para tentar, à sua maneira, localizar Trás-os-Montes no mapa. «O país – diria então –, está dividido entre a Área Metropolitana de Lisboa e o resto. Depois, entre as outras áreas metropolitanas e o resto. Depois, entre todo o litoral e o resto. Depois, há dentro do interior o interior intermédio e o interior profundo. Dentro do interior profundo há o interior mais profundo. E é no interior mais profundo do interior profundo que encontramos Trás-os-Montes (sic)»

Para um candidato que se anunciava já com fortes probabilidades de chegar a Belém, esta singular lição de geografia mostrava-se, no mínimo, bastante auspiciosa para os anseios de uma região desfavorecida, que, vendo sucessivamente adiada a tão prometida dinâmica de discriminação positiva, pudesse ver agora vingar uma outra dinâmica, essa tal dos afetos, que o Presidente viria a implementar, procurando envolver toda a governação num olhar mais fraterno e atencioso para com o interior.

Porém, tal assim não é. Os sinais vão em sentido contrário. A Unidade de Missão para a Valorização do Interior, grande aposta do atual governo, foi um falhanço absoluto. Nada conseguiu que se visse, acabando por demitir-se a sua titular num assumido quadro de frustração e desencanto em relação às expectativas que abraçou, especialmente na implementação de medidas concretas para ajudar a travar o despovoamento do interior e o desordenamento do território. Continuamos assim a ver acentuar-se a desertificação, com este interior a ficar exclusivamente para os idosos, e a serem sugadas as novas gerações para o litoral e grandes centros, ou então sacudidas para fora do país.

E já não há mais afetos que nos valham quando vemos, como foi ultimamente divulgado e denunciado, serem chumbadas pelo governo todas as candidaturas de Trás-os-Montes à atribuição dos fundos europeus do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020) para melhorar a nossa floresta. Ou seja, os fundos europeus, previstos para corrigir o desequilíbrio territorial, estão a colocar Trás-os-Montes fora do mapa. Tamanho paradoxo este!

Trás-os-Montes, afinal, continua ainda longe, recebendo, como sempre recebeu, boas palavras em vez de ajudas. Que adianta, como diria Rentes de Carvalho, termos o Túnel do Marão se, no fim, quando o atravessamos não são luzes o que vemos, mas sombras?

(in JN, 4-9-2017)


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