Manuel Igreja

Manuel Igreja

O Monumento aos Combatentes

A Câmara Municipal do Peso da Régua, ergueu um monumento aos Combatentes na Guerra Colonial e andou muito bem. Alguns concelhos já o fizeram, eventualmente outros ainda o irão fazer, mas o todo, a Nação, ainda não fez o que deve ser feito.

Quase meio século depois de findar a Guerra, Portugal não ainda não processou a catarse daquela pequena grande parte da sua grande História, permitindo que ainda seja assunto tabu, mesmo nada tendo para o ser. Sem perdão, ainda não justiçou devidamente os que por ela passaram e vieram nem os que nela pereceram no cumprimento de um dever.

Foram convocados e obedeceram. A nossa Guerra em África, longa de treze anos e sangrenta porque foi alimentada com milhares de mortos e de feridos, não tem que nos envergonhar enquanto país, apesar de ter sido imprópria, nada recomendável, injusta e fora de época, porque a quem mandava lhe faltou a noção do contexto dos tempos que corriam.
Mas aconteceu. Condenavelmente estropiou e matou, cerceando vidas e esperanças. Concorde-se ou não, como seu deflagrar, é um facto que ainda surge, que ainda emerge e que ainda incomoda. Urge, pois, que o Estado reconheça e assuma que houve e que há vítimas. Muitas vítimas. Dezenas de milhares de homens morreram em África, mas muitos mais, regressaram completamente desiguais do que eram.

Ninguém passa por um cenário daqueles sem beliscões. Inevitavelmente os demónios se alojam e acomodam no mais íntimo de cada combatente. Não tenho experiência própria se calhar devido à mera circunstância cronológica, mas nada custa admitir que o viver em paz passou a ser algo diferente para cada militar que tenha ido penar na guerra.
Não vale a pena esconder e muito menos sentir vergonha, apesar dos tantos doutos dizeres dos intelectualmente arrogantes. A guerra colonial existiu mesmo. Marcou gerações, dividiu opiniões, influenciou muitas opções de vida individual e colectiva. Redesenhou o país.

Milhares de rapazes saíram por via dela pela primeira vez da aldeia de nascimento. Graças a ela viram que havia mais mundo e que a vida podia ser um mar de oportunidades. Em muitos casos, a cidade ganhou-os ao lugarejo de nascença. Não voltaram e viraram a vida.

Recusaram um certo tipo de servidão e construíram novos modos de vida servindo doutro jeito e com mais proveito. Nada a faria ter valido a pena naquele tempo histórico, nem por isso valeu a pena, mas o devir em sociedade é sempre fruto das circunstâncias em que cada homem é ele e mais as suas.

Mas as marcas ficaram. As lembranças acordam diariamente. Quer as boas quer as más, sentam-se à mesa de cada combatente, em surdina, sem estrondos que desses já bastam os dos morteiros e os das rajadas. Os gritos, esses, ouvem-se no fundo. Bem lá dentro. Pode mesmo parecer que vêm do inferno.

Cada combatente foi um herói. Fez o que lhe impunham, porque lhe diziam que acorria ao chamamento da Pátria. A mera partida já era um acto repleto de coragem com as tripas a fazer de coração. Todos sabemos porque vemos, ouvimos e lemos. Por isso não podemos esquecer.

Marcos que lembrem e relembrem enquanto prestam o preito que se deve, são absolutamente meritórios. A testemunhá-lo, estiveram os olhos rasos de lágrimas de uma mãe ali naquele dia e naquele sítio, no Largo 25 de Abril na cidade do Peso da Régua.

Naquela manhã de sábado com sol, o patriotismo não foi letra morta e mostrou-se com orgulho. Já não há temores. Só há ardores, e acima de tudo saudades. Mais não seja, do tempo que se foi deixando rasto nas esquinas da vida.


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