Manuel Igreja
O palco para o Papa
De alarido em alarido, estamos no momento deste meu escrever, num que tem a ver com a construção de uma estrutura onde o Papa Francisco celebrará a missa e falará para um milhão e meio de jovens vindos de todo o mundo, consequente um evento de enormíssima visibilidade.
Pela maquete mostrada nos meios de comunicação social, em termos arquitetónicos temos ali uma obra digna de ser vista e de causar espanto para já não dizer pouca cristã inveja a qualquer um. Muita gente pode nem saber onde fica Portugal no mapa, mas fica a saber que é ponto onde se sabe conceber muito bem.
O problema é o custo da coisa que é para cima de um dinheirão. Aliás nem podia deixar de custar, pois os portugueses quando toca a exibir não há melhor, muito mais quando é com o dinheiro que é de todos, mas só serve para o que alguns querem.
Fazemos questão de ser os primeiros nestas coisas, ainda que noutras e muito importantes sejamos os primeiros dos últimos. Quem deixou perdeu riquezas infindas trazidas pelas naus, quem construiu estádios de futebol do melhor mesmo que alguns estejam agora sem préstimo e em estado do pior, não era agora que ia ficar mal para receber o Papa.
Quem decidiu nem por um segundo se quedou a pensar que se vai receber alguém que religiosidades à parte, é a humildade em pessoa. Representa o que representa, é um chefe de Estado, mas pugna por ela e pratica a simplicidade num exemplo corajoso e que vai contra posturas arreigadas e mentalidades pouco conforme os ensinamentos seguidos.
Segundo afirmam a missa vai ser dita num palco cujo custo ronda os seis milhões de euros. Um número que magoa perante a pobreza franciscana dos salários da maioria dos portugueses e das condições de vida de muitos cidadãos de pleno direito. Não cai bem. Passamos a vida a ver os nossos milhões a voar indo tapar buracos insanamente abertos, por isso estes aleijam.
Bem sei. Dizem em jeito de justificação que a estrutura fica depois para outras serventias, nomeadamente em termos de espetáculos musicais e outros que tais, mas o incómodo fica-me na mesma. Não que não aprecie, mas antes porque tenho para mim que não se justifica.
Locais onde se realizem cantos e cantorias, espetáculos e afins, é o que mais existe por este país de Deus afora. É sabido que desde há trinta anos Portugal em termos gerais pouco mais faz do que se prestar a ser a esplanada dos países ricos, mas este novo utensílio no espaço retangular é sobejante.
Os responsáveis esforçam-se nas justificações. No entanto, além de tudo, ainda ninguém explicou em termos técnicos o custo da obra. O seu elevado orçamento é porque é grande? É porque os materiais do melhor que existe. O luxo não tem igual? A sua conceção artística é de génio? Não sei, mas gostava de saber.
Depois, mesmo que em termos de retorno financeiro ele venha a ser multiplicado por não sei quantos, este não seria o mesmo com uma obra de menor custo? O Papa Francisco não apreciaria mais algo mais singelo que por o ser, não envergonharia ninguém?
Estou em crer que sim. Mas a nossa tendência para as lantejoulas ainda que de fino recorte leva-nos a isto e a muito mais. Adoramos estar em palco a fazer de fidalgotes falidos. Vamos à missa, mas não ouvimos o sermão. Comungamos só para nos verem em fato domingueiro. Se a hóstia queimasse em caso de pecado, muita gente andaria para aí sem língua. Digo eu, pecador me confesso.
No palco da vida somos assim. Há pior. Mas custa ver e pagar. Muito mais quando o dinheiro faz tanta falta. A quem faz.