Paulo Fidalgo
O perigo do negacionismo
Quando se fala em negacionismo relativamente à pandemia Covid por norma a conversa é sobre idiotas e cretinos que alegam a inexistência do vírus e propagam rebuscadas teorias sobre formas de controlo social incluídas nas vacinas.
Mas existe uma nova forma de negacionismo que talvez seja uma ameaça ainda mais séria à sanidade mental de todos quantos sabem, de ciência certa, que não vale a pena tentar fugir ao inevitável e que, quanto a inevitáveis, o único procedimento inteligente é prepararmo-nos para a sua chegada com as melhores defesas e as melhores armas de combate.
Pretender-se que a pandemia seja ultrapassada sem gravíssimos danos nas sociedades e nas economias, imaginarem-se bazucas e outras atoardas de eco fácil como solução milagrosa do descalabro empresarial, celebrar a criação de moeda e o aumento da massa monetária como nova magia dos soberanos, acreditar-se em milagres de normalidade fundados numa coletiva imunidade ao vírus, celebrar-se o teletrabalho como uma forma mais ou menos recreativa de fingirmos que tudo se faz no doce remanso do lar, enfim…
As novas narrativas de amortecimento político pouco ou nada constroem de verdadeiramente eficaz contra o inevitável e o inevitável é que esta crise será longa, terá as características de uma guerra de baixa intensidade e só será efetivamente superada se for vivida sem negações sucessivas dos seus efeitos duráveis sobre as estruturas económicas e sociais.
Enfrentar a crise com responsabilidade pelo futuro dos nossos filhos e dos nossos netos implicará transformar radicalmente as formas de equacionar os problemas que enfrentamos e ter a lucidez de aceitar que a pandemia não é um breve intervalo entre duas normalidades, antes coloca dificuldades à sobrevivência do próprio conceito de normalidade.
Bastam pingos de inteligência e alguma literacia para perceber que Portugal tem vindo paulatinamente a transformar-se numa sociedade de perdedores, uma loser time de que os melhores jogadores procuram fugir, buscando noutras comunidades o seu lugar ao sol, a sua oportunidade de ser feliz e encaminhar os filhos.
Não faz sentido continuar a culpar os políticos e a lógica dos partidos por este facto, porque políticos e partidos igualmente duvidosos existem noutros países com melhores resultados. Haverá no nosso caso uma especial dissolução da energia criativa, uma ausência de solidariedade na exigência social, um individualismo que retira legitimidade ao interesse público e uma aceitação da pobreza que está na raiz da impotência generalizada.
A pandemia e os sucessivos confinamentos ameaçam levar ao paroxismo a divisão entre os portugueses que pacificamente recebem o salário enquanto esperam que suceda o prometido milagre e os outros que combatem diariamente nas trincheiras do real, com mais custos e ainda mais sozinhos, tentando evitar que tudo o que construíram se dissolva nessa irrealidade difusa a que ouvem chamar “ajudas do Estado”.