Henrique Ferreira
O piar do mocho
Aníbal Cavaco Silva, professor doutorado em Economia e ex-Presidente da República, reapareceu na Universidade de Verão do PSD, no dia 29 de Agosto de 2017. Um ano e meio depois de ter saído normalmente do cargo, entendeu, também normalmente para ele, que representa o pássaro mocho que, com o seu saber, pode piar mais alto e mais certeiro, para sentenciar que o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fala de mais e que os actuais Primeiro-Ministro e Governo sobrepõem a ideologia à realidade, indo reagir esta, mais tarde ou mais cedo, e repor a lógica económica e financeira das coisas.
Não contesto o direito de Cavaco Silva falar em público mas contesto os termos e o modo. Esperamos de um ex-Presidente da República a sabedoria e prudência necessárias para dizer ou escrever ideias que sejam um ponto sério de reflexão mas não esperamos que se constitua em centro de agitação. Quando vemos o comportamento de Eanes e de Sampaio, vemo-los a falarem apropriadamente e pelos canais próprios e privilegiados que têm enquanto ex-presidentes de e da República.
O modo como Cavaco falou parece constituir um ajuste de contas com Marcelo por este se ter posicionado diferentemente de si em relação à constituição de um governo à esquerda. O modo e os termos com que falou do Governo parecem constituir um remoque de um artigo de há 13 anos sobre «A boa moeda e a má moeda», artigo com que quis correr com Santana Lopes de Primeiro-Ministro.
Cavaco deixou-se e deixa-se regularmente cair e enredar num discurso de facção. É evidente que muitos dar-lhe-ão razão. Eu próprio gostaria de ver um Presidente da República mais recatado e mais resguardado, sem tanta exposição mediática. E também gostaria de ter um Governo mais realista em economia e finanças. Mas um Presidente ou ex-Presidente da República não pode dividir a sociedade ao meio, separando os bons e os maus. O seu papel é unir, não separar. É congregar o diferente. Mas, por defeito ou por feitio, Cavaco é assim: fracturante e conflitual colocando-se sempre no lugar e no papel do mocho.
Bragança, 31 de Agosto de 2016