Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

O povo, esse crítico mordaz

O lavrador, o burro e o tamoeiro

[Os apelos à resignação dos discursos de quem governa este país até já metem dó. Ouvimo-los no ano que findou e, de novo, eles aí estão para o ano que começa. Na lógica deste governo isto só lá vai com um povo resignado. Ora veja-se o que o povo antigo pensa sobre isso através deste Conto Popular, que há dois anos recolhi junto de um idoso num dos lares de Vila Real]

Uma vez um lavrador foi lavrar uma terra. Quando lá chegou, pousou o tamoeiro no chão e uma raposa, que ia a passar por ali, levou-lho. O lavrador ficou muito desconsolado, pois tinha o trabalho para fazer. Nisto, o burro que estava com ele, disse-lhe:
– O que me dás se te trouxer o tamoeiro?
– Dou-te um alqueire de pão – responde o lavrador.
O burro foi então procurar a toca da raposa e, quando a achou, deitou-se à entrada fazendo-se de morto. A raposa, quando saiu cá fora, viu ali o burro e disse para dentro para o raposo que morava com ela:
– Olha que sorte a nossa, veio-nos morrer um burro aqui à porta!
O raposo veio ver e disse-lhe:
– Ainda bem, já temos jantar para vários dias. E agora como o levamos para dentro?
E diz-lhe ela:
– Traz cá o tamoeiro, que isto resolve-se já!
Então os dois prenderam o tamoeiro à cabeça da raposa e à do burro para o puxarem. Nisto o burro levantou-se do chão e desatou a fugir, levando a raposa de rastos presa ao tamoeiro. Mal deu conta, diz o raposo:
– Então pr’onde é que o levas? Trá-lo para aqui, não o queiras só pra ti!

O burro entregou então o tamoeiro ao lavrador, mas este não cumpriu com a sua parte. Em vez do alqueire de pão que prometeu, deu-lhe um alqueire de areia. Por isso ainda hoje a está a roer, especialmente durante a noite. E é por isso também que o burro é assim mesmo: humilde e resignado, todos fazem dele o que querem.


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