Chrys Chrystello

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O Prazo de validade

CRÓNICA 381. O PRAZO DE VALIDADE 9.2.2021

O meu mais novo (filho João) é absolutamente aiatola no que concerne a prazos de validade, nada do que se cozinha ou vai à mesa escapa à sua minuciosa inspeção do prazo de validade. O meu prazo de validade, de acordo com as expetativas à nascença e a herança genética do lado paterno, há muito que foi excedido, era de 50 anos.

Isto de envelhecer tem prós e contras sem moderação como acontecia na TV, e a analogia imagética que encontrei para quem teve uma vida fértil em aventura e recomeços foi esta: quando somos bafejados com uma certa longevidade dir-se-ia que a nossa vida  foi dedicada a encaixar todas as peças de um puzzle e, quando pensamos que estão todas encaixadas e o puzzle completo, a acontece que algumas dessas peças emigram para outras realidades e o puzzle começa a desmontar-se até ao dia em que deixamos de estar na linha da frente e vamos como nota de rodapé para a história.

Como é sentir-me velho? Nem eu sei como cheguei até aqui, um dia, há uns 6 ou 7 anos, eu tinha trinta e sete, depois tudo se passou tão depressa que cheguei aos 45 e comecei a viver a vida de forma distinta e diria que sentir-me velho é fantástico quando comparado com a  alternativa. A idade é uma ideia sem prazo de validade embora haja uma música da Cher chamada “If I could turn back time (no álbum Heart of Stone)” eu não estou interessado, vivi intensamente os anos que tenho, não me arrependo das asneiras que fiz, pois à época entendia que eram acertadas e paguei a fatura com IVA acrescido de mais-valias para a vida inteira. O conhecimento que não nos é ministrado nas escolas ou na universidade adquire-se com os erros próprios, ilusões e perversões da realidade como a interpretamos. “A possibilidade de erro e de ilusão fazem parte da verdadeira natureza do conhecimento”, disse Edgar Morin. “O conhecimento inicial ou perceção deriva das redes neurais e de estímulos sensoriais reconstruídos no cérebro e traduzido em palavras e atos”.

Nada é exclusivamente branco ou preto, há cinquenta sombras de cinzento especialmente em crises como a atual que produzem incerteza e insegurança, crises económicas e civilizacionais que ameaçam a humanidade e os paradigmas que nos têm regido até agora, criando estados de angústia e insegurança psíquica numa situação de guerra não-declarada com as ameaças externas e internas que nos minam e toldam a mente.

A regeneração só pode ocorrer se tivermos um sentimento profundamente imbuído de solidariedade, de igualdade e equidade que nos una aos restantes mortais, um sentimento de pertença global impérvio a perigos e desafios, ultrapassando a superficialidade das normas da sociedade em que nos educaram e nessa situação apercebemo-nos, que, de facto, a idade é uma ideia, sem prazo de validade e jamais será uma lotaria ou uma cautela premiada.


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