Manuel Igreja

Manuel Igreja

O princípio do fim da União

No momento em que se me desenrola este singelo escrito que aqui vos deixo, ainda não sucedeu o referendo acerca da permanência ou saída do Reino Unido na União Europeia. Está por dias. No entanto, ela a organização, já morreu e ninguém lhe disse nada. Pelo menos é o que me parece. A exiguidade na diferença de resultados pouco ou nada garante. Não há supletivos de vida. Dizem.

Pelo que nos vai sendo dito dos resultados das sondagens, tanto há a possibilidade de ganhar quem quer sair, situação que contudo parece ter-se alterado um pouco com o assassínio brutal de uma deputada que fazia campanha pela permanência. A insanidade anda de rédea solta e um tresloucado ceifou a vida de uma jovem lutadora.

Caso se invertam as tendências e venha a ganhar a não saída do país de sua majestade da União, pelo menos valeu um pouco a pena o sangue derramado de alguém que merecidamente se tornou numa heroína. A História está cheia de casos semelhantes. Não será pois diferente agora numa época em que as emoções se soltam da alma com toda a facilidade, e num tempo sem figuras de referência.

Venha a ganhar um ou o outro lado da peleja, nada vai ficar igual, após a consulta aos cidadãos prometida em minuto demagógico por sua excelência o Primeiro-ministro britânico. Qual cavaleiro da triste figura, pensou o excelso líder que para conquistar simpatias que lhe fugiam, nada melhor do que pôr espantalhos a esvoaçar. Arrependeu-se, nem sequer soube motivar e convencer pelo sim, e agora a Europa joga à roleta russa.
Infelizmente são os timoneiros que temos. Catar estadistas a sério na Europa, é o mesmo que procurar agulha em palheiro, sendo que este é velho e está prestes a arder com tanto lume que lhe chegam. Dizem muitos especialistas que podemos estar perante algo de muito terrível. Por mim não sei bem que não sou dessa área, mas nada me custa a acreditar que sim. O que sei, é que vai sobrar mais para os mais pequenos. Nem é preciso ir a doutor em Coimbra.

Para se saber que as pessoas se revêm cada vez menos na União Europeia também não se tem de andar em curso com doutos lentes. Basta olhar, ler e sentir. No nosso espaço, os cidadãos foram trocados pelos números percentuais, pelos gráficos e pelos lucros de uns poucos. Os políticos entregaram o mando, e todos ficamos reféns dos empregados das mesas da economia de casino.

A especulação financeira substituiu o investimento produtivo, e eles deixaram com o nosso consentimento. A famigerada globalização por encontrar enquadramento desigual, deu força a quem produz com trabalho quase escravo, e ninguém se importou. Agora defendem que devemos ir para a mó de baixo, para ficarmos iguais. Nunca até este século se viu uma civilização andar às arrecuas, quando correm mal, acaba, mas mesmo assim, querem convencer-nos.

Enquanto isso, cerceiam-se os horizontes de vida, aumenta o desemprego, o medo espalha-se e o ódio sub-repticiamente instala-se e alarga. A intolerância campeia e corrompe mesmo alguns espíritos mais abertos. Os sabres da indignação fátua desembainham-se contra os antes amados e amantes, contra os vizinhos e contra os desconhecidos.
A barbárie medra a olhos vistos e ameaça a democracia que pode conter em si mesma os instrumentos da sua destruição, porque um homem vale um voto como é sua essência. Noutros tempos e bem perto, já se viu este fenómeno, mas nada se aprendeu. Toda a gente faz de conta. Por isso, não será de admirar que se caminhe para o princípio do fim da União Europeia, seja isso o que for.

Os pais fundadores já não a conheceriam. Por isso nem sei o que diga. Será melhor, será pior? A ver vamos como diz o cego.


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