Alexandre Parafita
O que a autoestrada traz… a autoestrada leva
Coube-me em dezembro de 1988, enquanto jornalista, cobrir a inauguração pelo primeiro-ministro Cavaco Silva da chamada “via rápida do Marão” (entretanto vulgarizada com o nome de “IP4”), considerada, ao tempo, um dos maiores rasgos da engenharia do século XX, com um impacto previsível no desenvolvimento regional comparável ao da demarcação pombalina da Região do Douro. E não podiam ser mais otimistas os discursos políticos de então, que proclamavam: “Agora, é que o progresso vai chegar”. Mas não chegou. O expectável desenvolvimento de Trás-os-Montes não aconteceu. Nos últimos 25 anos, a região perdeu mais de quase 70 mil habitantes, em especial nos meios rurais de onde os mais jovens partiram, deixando ficar uma população de idosos. E foi o próprio Estado a ajudar ao descalabro. Deu com uma mão (o IP4), mas tirou com a outra: encerrou escolas, maternidades, serviços de saúde e tribunais (aplicando no interior rural os mesmos critérios que vigoram para os grandes centros), extinguiu ou deslocou para as grandes cidades repartições, serviços públicos, postos e delegações de empresas públicas, imprescindíveis que eram à dinâmica da vida no interior, enquanto impulsionadores de outras dinâmicas: criação de empresas e de empregos. A contrariar este revés, salva-se a UTAD e o IPB, que, no mesmo transcurso temporal, cresceram e se afirmaram nos seus territórios, contra ventos e marés.
Quanto ao IP4, ficou a memória trágica das centenas de vítimas mortais, e sobre o almejado progresso, fica cada vez mais a certeza de que também não é com autoestradas que se desenvolvem as regiões. A fluidez com que uma autoestrada traz pessoas também as leva. Os romanos, esses, viram mais longe há dois mil anos. Construíram a sua via romana ligando Bracara Augusta a Brigantia, seguindo depois até Asturica (Astorga), mas fizeram-no de olhos postos nos recursos endógenos destes territórios, explorando termas e minas de ouro e assegurando uma rota eficaz para fins militares e comerciais. Tinham, por isso, uma estratégia de desenvolvimento. Uma estratégia que nos dias de hoje, se existe, não se vê como capaz de atrair e fixar pessoas, empresas, serviços, instituições, massa crítica.
Camilo demorou, entre Vila Real e o Porto, “vinte horas de liteira”. Hoje demoraria uma, se tanto. Mas quem pode contentar-se apenas com isso?
in JN, 4-6-2016