Fernando Campos Gouveia

Fernando Campos Gouveia

O que vale a palavra dos governantes?

A bancarrota do maior banco português – uso o termo bancarrota em sentido não técnico, já que não houve nenhum processo de insolvência – criou ondas de choque na sociedade portuguesa que se arrastarão certamente por muitos anos. Comentadas nas televisões pelos tecnocratas de serviço, discutidas na Assembleia da República por comissões onde a lógica partidária impõe sempre relatórios inconclusivos, para boa consciência do sistema político e económico, protestadas nas ruas pelos clientes mais desprotegidos, que, na roleta da especulação bancária, perderam economias e modos de vida e que, ao contrário do que em tempos afirmou o primeiro-ministro, continuam a fazer o papel do mexilhão, as manobras que conduziram ao colapso do BES e a trapalhada da resolução que consistiu em salvar alguns ativos deixando cair pequenos acionistas, obrigacionistas e detentores de outros créditos levam-nos a refletir sobre o estado a que o Estado chegou e sobre as relações entre a política e os negócios.

Não há manhã noticiosa em que não nos sejam servidas as boas razões do sistema, sempre por fiéis serventuários que encornaram a cartilha do liberalismo e do pensamento único. Este governo também nunca fez segredo da sua profissão de fé ultra-liberal, da sua confiança cega nos mercados, da sua obediência canina a interesses cuja lógica nunca deveria ser a nossa, a portuguesa, já que, no contexto europeu, somos sempre a frágil panela de barro. Mas ninguém até hoje deu claras explicações às perguntas que se impõem. Afinal, como foi que a dívida pública portuguesa duplicou em pouco mais de três anos? E se, como se vai ouvindo a comentadores nacionais e estrangeiros, a dívida pública cresceu porque o Estado tomou a seu cargo responsabilidades privadas, quem foram os beneficiários dessa transferência de encargos e por que razão têm de ser os cidadãos – afinal o mexilhão de sempre – a pagá-las?

As fraudes do BPN, do BPP e agora do BES deveriam ser um assunto privado. O governo de Sócrates e Teixeira dos Santos nacionalizaram o BPN com a desculpa de salvarem o sistema. Afinal de contas, a quem salvaram?

Este governo declarou que o Estado e os contribuintes não iriam pagar o colapso de BES. Então quem é que vai pagar, se a resolução encontrada pela intervenção do Banco de Portugal (obviamente com a concordância do governo), vier a resultar, após a venda do Novo Banco, em prejuízo? Não será sempre o mexilhão, quer tenha neste caso a qualidade de pequeno acionista, depositante a quem converteram depósitos em aplicações ruinosas ou simplesmente contribuinte?

Com o ar contrito de cidadão imperfeito, o primeiro-ministro espera que os reguladores decidam, não se sabe exatamente o quê! Com o ar imbecil de quem está na política como quem trata da vidinha, o Presidente quer lavar as mãos como Pilatos, tendo a lata de dizer que nunca disse aquilo que disse e de que há registo público. A palavra destes senhores não vale um pataco. Mas o problema é que há cidadãos, pequenos investidores, aforradores, que acreditaram nela. É certo que quem investe tem de ter o cuidado de saber como investe, mas a “carta de conforto” que representaram as declarações públicas do Presidente e de governantes foram um enorme logro que levaram cidadãos honestos a confiar em mafiosos que, afinal, tinham a cobertura moral de governantes e Presidente.

Moral desta história, para lembrar em Outubro: o Estado duplicou a sua dívida para salvar bancos geridos por gangsters, quando a única coisa que lhe competia fazer era assegurar a garantia dos depósitos nos termos legais. Mas não é capaz de salvar os cidadãos enganados nos balcões desses bancos. A partir de agora, saiba quem tiver interesse: a palavra dos políticos será válida para os banqueiros; o mexilhão, esse, que aguente.


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