Luis Ferreira
O regresso
Eles não chegaram a partir. Talvez tivessem gostado de o fazer, mas não lhes deixaram alternativa. Não permitiram que abandonassem o seu lugar de permanência. Obrigatoriamente, ficaram retidos, para o bem e para o mal, mas retidos. Simplesmente retidos.
Na inimaginável sensatez e docilidade do jovem ser humano, eis que cumprem contrafeitos, mas sensatamente a determinação que os impede de sair e ir ver a namorada, o amigo, o tio, a avó. Durante quase dois meses ficaram presos a dois mundos: ao interior e ao exterior. Parecem antagónicos e talvez o sejam, mas são duas realidades a que não puderam fugir. O mundo interior que se resume ao local onde permanecem e o exterior ao qual não têm acesso e lhes está vedado. É como se estivessem numa encruzilhada, mas sem alternativa de escolha. Quem são eles afinal?
Todos estamos a viver uma situação para a qual não estávamos preparados e nem sequer sonhávamos que pudesse vir a acontecer. Enfrentar uma tão terrível epidemia é uma obra que arrasta toda a humanidade, que a responsabiliza e não lhe deixa alternativa. Tem de participar na luta global.
As escolas fecharam antes da Páscoa e os alunos, retidos, não puderam continuar as aulas como costumavam. Não voltaram à escola, não voltaram a ver os colegas, os professores, os auxiliares, o espaço por onde corriam, saltavam, jogavam ou simplesmente se sentavam para ouvir a lição do mestre. Daí para a frente não saíram de suas casas. Mas um período novo surgiu nas suas vidas e tiveram de se adaptar. As aulas começaram a ser dadas por várias plataformas e eles, alunos e professores, viram as suas vidas seguirem rumos paralelos, mas totalmente diferentes do que era habitual. Ficaram todos retidos. Confinados. Presos em casa e ao computador. Por quanto tempo? Incógnita.
Depois do confinamento a que praticamente todos ficámos sujeitos, a etapa seguinte é quiçá mais ligeira, mas de igual se não maior responsabilidade. O mundo está a alargar o cerco e a permitir mais liberdade, mas a luta terá de continuar. O vírus não está vencido!
Em Portugal, o tempo de catástrofe continua, mas dia 18 de maio marca o início de uma nova etapa para toda a sociedade. Tudo vai abrir lentamente até porque a economia tem de iniciar o seu caminho de recuperação. Não acabam as aulas dadas à distância, nem o teletrabalho de quem quer que seja. As aulas continuam para os alunos mais novos e que não têm exame este ano a qualquer disciplina. Mas outros, os que têm exame a alguma disciplina, têm de regressar à escola. Vão ter aulas presenciais. Vão ver os seus professores nas salas de aula, mas sob novas orientações rigorosas e confrangedoras.
Não sei como é que se pode proibir a uma criança de dois anos, por exemplo, de estar numa sala e não brincar com os colegas, mexer nos brinquedos habituais, repartir com os amigos o que está na sala e até mesmo, impedir o tal abraço há tanto tempo esperado. Como também me custa a acreditar que, apesar de toda a sagacidade juvenil, se impeça o João de abraçar a Paula, sua namorada e que não via há dois meses. E como manter dois metros de distanciamento entre os alunos que percorrem os corredores e se dirigem para as salas de aula onde terão de cumprir esse mesmo distanciamento. Difícil. Mas a verdade é que é um primeiro passo para que tudo possa acabar bem.
O regresso é difícil. Há regressos abençoados. Há regressos esperados e costuma-se dizer que quem regressa é por bem. Pois que seja. A minha esperança é que este regresso às aulas, não traga mais um confinamento forçado que se alargue até ao final do ano e tenhamos que passar o Natal entre quatro paredes. É que já há quem diga que a segunda vaga vem em Outubro. Pode ser que até lá nos deixe dar um mergulho no nosso mar, numa qualquer costa e pisar as areias quentes onde o vírus certamente não se esconderá.