Manuel Igreja
O S. Pedro e o S. Paulo
Ao longo da nossa vida, cada um de nós vai passando por situações e por sensações, por memórias por estórias que se tornam histórias, num conjunto de vivências que escorrem por nós de maneira diferente entre si e entre cada qual que somos.
Umas feitas água límpida escorrem humedecem um pouco a alma, mas não deixam marca sumindo-se por entre os areias do nosso quotidiano, mas outras, demoram mais a percorrerem-nos, deixam marca e perduram até que se nos finde o tempo, caiando-nos no entretanto a alma com cores mais brancas.
No entanto, tanto umas como outras contribuem grandemente para aquilo em que nos vamos tornado e para aquilo que vamos dizendo e fazendo até que cada átomo que nos é mais não seja do que mero pó, no derradeiro momento da nossa sublimação que antecede aquele em que a nossa fotografia é colocada para memória futura nas estantes ou na mesa de cabeceira dos nossos mais chegados.
Irá acontecer-nos um dia porque como bem sabemos, isto de se estar vivo ainda há-de acabar mal, mas agora tenho de desviar o seguir do escrito e tomar conta dele, para que ele não pense que vai para onde quer, e porque hoje é dia de festa e o horizonte está limpo ou pelo menos pouco nublado.
As letras que se estão a alinhar para formaram palavras e linhas ordenadas para que resultem em texto sem voz de comando, mas com mando, estão a ser colocadas em seu sítio porque é dia 29 de junho, o dia em que se festeja o S. Pedro. Por elas andariam para aí a monte e ao deus-dará, e desse modo não cumpririam a sua nobre função de se permitirem serem lidas.
Mas voltando à festa, antes que acabe a marcha. Para mim o S. Pedro e o S. Paulo ocupam o lugar cimeiro na corte celeste. Não querendo eu dizer que são mais santos que os outros pois nessas meças não me meto por falta de competência , pois nisso das adorações e das devoções ou da sua falta, cada um sente o que sente e não deve impor devoção a ninguém.
Um e outro ocupam especial recanto no espaço que tenho cá dentro e não tem medida pois não há limite para o sentimento nem machado que corte a raiz ao pensamento. Caso uma pessoa tivesse um estendal dentro de si, eles estariam dependurados nas cordas do meu, presos por pregadeiras feitas de memórias. Abanariam com as leves brisas que ao passarem fazem vibrar as cordas da alma em suaves melodias.
O dia de festa naquele tempo que eram os meus verdes anos, começava na noite anterior com o deitar dos foguetes, com o arraial, como agora de diz, que era muito mais singelo em cor, em número e em estrondos. Não havia aquele fogo que lá no alto se abre quem nem uma flor, e que cá em baixo brilha e silva tipo assobio do amola tesoiras.
Era o que havia e bem que custava a pagar mesmo que muito dos foguetes se gostasse. Seguindo. Pela alva, uma dúzia de morteiros no ar assinalava o dia de folia e de preito ao padroeiro. Logo de seguida eram os acordes das bandas de música a percorrerem a povoação. Garbosos os músicos de Eira Queimada, de Salzedas, de Gouviães, de S. Cipriano, de Magueija, com sua vez em cada ano, seguiam as pautas, as pausas e os solfejos para encanto dos anjos e de mais quem escutasse.
A missa era para as mulheres obrigatoriamente de fugida e sempre com a ideia nos alguidares metidos nos fornos de lenha para o repasto, e nos trajes das crianças obviamente irrequietas que ansiavam pelo começar da procissão que seguia pelas ruas para que os santos todo o ano colocados nos altares e fechados na igreja, viessem dar uma olhadela nas novidades que despontavam nos campos do tamanho do futuro e arados para que nas mesas houvesse pão.
A festa de S. Pedro no seu dia, e de S. Paulo no dia seguinte, era folia, devoção, vaidade e emoção. Mas antes de tudo era identidade cimentada e granjeada. Ainda agora o é, como outras de outros santos e santas em outros lugares, mas podendo ser injusto é tudo muito mais ao de leve e com lantejoulas em excesso. Digo eu.
Mas para findar o rendilhar de texto e para que se não pense que estes dois santos me merecem especial afeto só pelas memórias das festas, não posso deixar de referir que um e outro são de primeira importância se houver hierarquias no céu de onde nos apreciam sem nos julgar.
O S. Pedro ficou com a missão de ser o primeiro Papa, a pedra basilar que fundou a cristandade. O S. Paulo, foi tão somente a primeira pessoa a passar a escrito os fundamentos e os ensinamentos da religião em que assenta a civilização ocidental permitindo que ela se espalhasse mais homogeneamente e com mais facilidade.
Mais não fosse só por isso, já mereciam este especial reparo. Mas isso é vinho de outra pipa. Agora por favor pouse o texto e vá para o bailarico se lhe puxar o pé prá dança. Caso não, fique a apreciar, mas sem criticar. Cada um dança com quem o aceita e veste a roupinha de que gosta e que pode.