Manuel Igreja
O Sr. Noel
Na vida da gente, há gente que se nos vai pegando e por via disso vão fazendo com que a construção permanente que é qualquer ser humano se vá moldando numa mudança que é permanente e acompanha a vida a toda a hora e em qualquer lugar.
Tenho e tive a sorte de ao longo do meu curso que está naquele ponto em que já não se vai para novo, ter encontrado e convivido com pessoas extraordinárias entre as muitas que são boas pessoas e sem mais. Pouco recomendáveis não topei, mas se me vieram de encontrão nem reparei.
Entre os que me deram o privilégio de me considerar e de me ensinar que ser humilde vale sempre a pena e que a vida se aproveita melhor quando a vemos mais pelos olhos da alma, do que pelos olhos da cara tantas vezes cegos, esteve o Sr. Noel Magalhães que andou por aí a desfolhar as pétalas da flor da vida até aos 99 anos de idade.
Em anos de salutar convivência, sempre me tratou com um grande carinho, daquele que brota dos olhos e se esfia até à ponta dos dedos em mãos colocadas em afagos e em abraços. Sentia-me bem quando o via e com ele conversava. Tratava-me por “senhor escrevinhador”, sabendo eu o quanto ele colocava neste seu modo de se me referir.
Pelo que foi, admirei-lhe a obra enquanto fotógrafo de gentes e de lugares, mas antes e acima de tudo admirei-o e considerei-o como pessoa e como cidadão que fez o favor de ser também meu amigo. Sei-lhe bem do percurso, pois já lá vão uns anos, ouvi da sua boca o que foi o seu percorrer as avenidas da vida, quando escrevi um texto com a sua biografia para uma revista que se publicou na Régua irá para uns vinte anos ou coisa que o valha.
Sinto-me, pois, com permissão para falar do entusiasmo medrado nos seus olhos verdes, do sorriso que sempre despontava no seu rosto de extrema amabilidade, e do seu empenho enquanto elemento da comunidade da então vila e depois cidade do Peso da Régua, onde enquanto pode, participou integrando os órgãos sociais de diversas instituições cívicas. Ao partir deixou-nos mais pobres. Viveu um século menos uns meses, pelo que lhe coube a dita de ser um dos últimos de uma geração de reguenses de ouro.
Quem souber da vida da Régua, sabe que ele e mais alguns seus contemporâneos marcaram a diferença pela entrega, pela perseverança e pela elevada capacidade de dar algo de seu à sua e nossa comunidade. Foi o tempo dos Homens sem preço, que colocavam tudo o que tinham em cada coisa que faziam sem esperar retorno. Por isso merecem todo o nosso apreço e que os distingamos por entre as brumas da memória, para que nos sirvam de exemplo nesta espuma dos dias.
O Sr. Noel foi um poeta. Não alinhava letras em folhas de papel, mas colocava belas imagens dentro das objetivas das suas máquinas de fotografar ao longo de todo o Alto Douro vinhateiro seus arredores. Com a sua mestria, celebrou o Douro e engrandeceu a vida como é mister de artista que o seja. Fez-me o enorme favor de me ouvir e de me seguir quando o desafiei para deixar o seu espólio à guarda do Museu do Douro em parceria com a Autarquia para que se tornasse um pouco mais eterno e para que seja também um pouco nosso.
Levou com ele esta coisa que me deixou e me faz sentir um pouco mais completo, mesmo que longe da sua grandiosidade enquanto cidadão amparado pela sensibilidade. O senhor Noel Magalhães considerou tudo e todos, por isso foi amplamente considerado como artista da fotografia e como pessoa. Nada custa por isso imaginar o seu chegar ao lado de lá. Tenho para mim que já anda de máquina em riste e de nuvem em nuvem à procura do melhor enquadramento sobre o seu e nosso Alto Douro, terra de rio, de vinho e de gente.
Mais tarde faremos uma Exposição.